Na semana passada, mais exatamente no dia 18, o músico Chris Cornell foi encontrado morto em Detroit, após ter se apresentado na véspera. Aos 52 anos, distante cronologicamente tanto do apogeu do grunge quanto da juventude que pareceu consumir os outros ícones do mesmo movimento, Chris Cornell se foi em um ponto em que talvez julgássemos que estivesse à prova do tempo e das vicissitudes da vida.
A voz de Cornell atravessou uma época e marcou gerações. À frente do Soundgarden, a carreira do músico começou de fato em 1984, muito antes que a efervescência do movimento grunge atingisse seu ápice. O Soundgarden foi considerado, ao lado de Nirvana, Alice in Chains e Pearl Jam, um dos grandes representantes daquilo que hoje é visto como sendo um dos últimos bastiões de resistência do rock.
Após o excesso de sintetizadores e o glam rock que haviam dominado os anos 80, o grunge surgia como uma nova busca por identidade, e enquanto o Nirvana, principal representante do movimento, iria beber diretamente na fonte do punk rock, o Soudgarden de Cornell iria caminhar na direção do heavy metal e do hard rock.
Talvez por esse motivo, a banda tenha demorado a fazer sucesso, apesar de seu primeiro álbum datar de 1988. Foi apenas com o lançamento de Superunkown, em 1994, que a banda ganhou destaque na mídia e começou a figurar consistentemente nas paradas, emplacando sucessos como “Spoonman” e “Black Hole Sun”. O Soundgarden se separaria em 1997, pouco depois do lançamento de Down on the upside.
Se todo frenesi causado pelo Nirvana eu talvez tenha sido jovem demais para acompanhar, apesar de já ter idade para ouvir rádio e assistir MTV, o ápice do Soundgarden correspondeu a uma idade em que eu claramente distinguia bandas e escolhia minhas favoritas. Lembro exatamente de quando ouvi “Pretty Noose” e a sensação de que tudo na faixa fazia absoluto sentido. As oscilações de voz de Cornell, o solo, aquele rock cheio e pesado, tudo na faixa de trabalho de Down on the upside soava como a adolescente que eu então era esperava que fosse.
Durante algum tempo, confesso, o Soundgarden fez parte do que eu considerava preferido, o tipo de som que talvez tenha servido de base para formar minha identidade musical. Como qualquer ouvinte da banda, as duas coisas que mais me agradavam eram a voz de Chris Cornell, que pairava entre uma suavidade cheia e reconfortante e grunhidos de animal ferido, enquanto a guitarra de Kim Thayil preenchia todo o resto.
Mais do que uma unanimidade, Cornell permaneceu capaz usar sua amplitude vocal para traduzir as inquietações e anseios de uma geração.
Ídolo indiscutível, Chris Cornell fez parte de um panteão que propiciava a muitos jovens e adolescentes a sensação efêmera de pertencimento. Numa época em que a música ocupava uma posição completamente distinta da que ocupa hoje e que era, inegavelmente, de difícil acesso, as agruras que ganhavam corpo nas músicas faziam com que acreditássemos que não estávamos sozinhos. A vida podia ser difícil, dolorosa, mas havia alguém que conseguia condensar tudo isso numa faixa de cinco minutos e oferecer uma pausa no caos, um alento nos dias mais difíceis.
Talvez, o rock and roll sempre tenha sido sobre como conseguimos nos integrar e sentir que fazemos parte de algo apenas ao ouvir uma música, mas, definitivamente, o grunge foi o último instantâneo coletivo que representou isso ao musicar as ansiedades de uma geração que se via sem lugar no mundo, à procura de uma identidade.
Após a separação do Soundgarden, Cornell se juntou aos integrantes do Rage Against the Machine, formou o Audioslave e continuou emplacando hits, por mais que a banda não tenha tido uma carreira necessariamente longa. É provável que o primeiro álbum do Audioslave tenha marcado de tal maneira 2002, que perdi a conta de quantos dos meus amigos expressaram seu pesar com a morte do músico postando vídeos de “Like a stone” nas redes sociais. Mais do que uma unanimidade, Cornell permaneceu capaz usar sua amplitude vocal para traduzir as inquietações e anseios de uma geração.
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Dizer agora o quanto Chris Cornell foi ímpar e necessário, não só para o grunge, mas para a própria história do rock and roll, é bastante óbvio. Quando morre um artista, ainda mais nas condições em que morreu Chris Cornell, é também óbvia a necessidade que temos que olhar para trás, procurar em sua vida e carreira indícios que possam servir como chaves para desvendar o mistério de seu suicídio.
A verdade é que, por mais que reviremos sua vida, suas músicas, tudo que vamos encontrar é produto de uma carreira consistente, de alguém que viveu plenamente para a música sem grandes dramas públicos, mas provavelmente à custa de sua própria saúde mental. Chris Cornell morre justamente quando parecia que sua existência havia sido assegurada pelos anos de distância que se colocaram entre o passado de excessos do grunge e a carreira sólida que o músico construiu para si, provando, mais uma vez, que nossos ídolos são pessoas tão frágeis e solitárias como nós.