Sejamos românticos. Em meio ao ódio, sejamos bregas românticos que acreditam nas flores no lugar das armas, como um bom clichê. Charles Bradley não tem medo nenhum de ser romântico, ele já sofreu o que tinha para sofrer na vida e olhos pesados e profundos não o deixam esconder. Ele foi abandonado pela mãe quando bebê, cresceu em condições precárias, fugiu de casa e morou nas ruas por dois anos, mas mudou de vida por causa da música. Assistiu James Brown ao vivo e mudou o rumo da sua vida, a qual passaria grande parte tocando em bares e teatros como cover do mestre do soul.
Foi com mais de 60 anos de idade que Bradley saiu da sombra de seu herói e lançou seu primeiro disco autoral, o ótimo No Time For Dreaming (2011), seguido pelo definitivo Victim of Love (2013), que colocou o cantor no hall dos grandes do soul, próximo daqueles que ele apenas admirava antes. Bradley entrou em turnês pelo mundo, ganhou fãs, teve músicas sampleadas por Jay Z e, nas suas próprias palavras em algumas entrevistas, ficou mais fácil de pagar as contas.
Seu terceiro álbum, Changes, chega oficialmente nas próximas semanas com Bradley em seu auge. Ele continua com a emoção crua do soul, os gritos e a voz quase chorosa que faz com que cada palavra pronunciada soe emocionante. Sua banda de apoio segue na linha entre o funk e o soul, com claras influências do próprio James Brown, além de Otis Redding e Solomon Burke.
Ele continua com a emoção crua do soul, os gritos e a voz quase chorosa que faz com que cada palavra pronunciada soe emocionante.
A faixa que dá ao nome ao álbum e foi o primeiro single do trabalho nem é de Bradley, mas sim um cover do Black Sabbath, mas dá o tom do disco. Ele está passando por mudanças, ao atingir o sucesso aos 67 anos de idade e viver da música, aquela que mudou a sua vida. É também por mudança que ele clama em outras faixas do disco, como “Change for The World” e “God Bless America”, músicas com viés político, mas que não perdem o lado romântico sonhador de Bradley. Sua música mais famosa até hoje, “Victim of Love”, do segundo álbum, define bem o cantor até hoje. Ele é uma vítima incondicional do amor e isso não vai mudar.
Com sua alma presa nos anos 70, mas em tom com os tempos atuais, Bradley faz de Changes um dos melhores discos da música soul recente. É nostálgico e bonito, cheio de alma e letras simples, sem deixar de ter o toque charmoso e dançante do soul, como na ótima “Good to be Back Home”.
Charles Bradley é um desses artistas que me dão alegria quando fazem sucesso. Não é a história mais comum na música alguém lançar o primeiro álbum na casa dos 60 anos de idade e sair pelo mundo em turnê com tanta disposição. Bradley é movido pela paixão pela música, e isso fica visível quando ele canta. Changes é um disco para reconhecer a beleza do seu trabalho e sentir aquele gosto de nostalgia dos tempos de James Brown.