Os primeiros raios de sol começam a aparecer, discretamente, iluminando a plantação de milho e o celeiro. O vento aponta uma leve brisa, que vai balançando as folhas, enquanto os primeiros pássaros começam a saudar a manhã com seus voos rasos. O galo sobe na ponta da cerca de madeira, estufa o peito e canta.
Apontando seis horas da manhã, o cuco sai do relógio; com pouco do sol invadindo seu quarto, Dan se espreguiça e sai da cama. Carrega seu banjo, passa pela porta da sala e senta na primeira entre duas poltronas na varanda. Logo depois, R-Son se aproxima e, com algumas rimas, acompanha o arranjo feito pelo caipira. O sol nasce na roça e a música já compõe a trilha sonora do sítio.
Isso tudo seria um cenário perfeito se Gangstagrass fosse uma típica banda de bluegrass do Kentucky e não do Brooklyn, em Nova York. Formado em 2006, o grupo nova-iorquino destaca-se como uma pepita de ouro no meio musical. Traduzindo em termos interioranos, o trigo no meio do joio.
Unindo hip-hop com bluegrass, Gangstagrass – que não poderia ter um nome melhor – ultrapassa a linha do imaginável até do mais biruta dos críticos. Arranjos suaves de banjos, típicos da vida mansa do Sul, são acompanhados por rimas ferozes, ao melhor estilo Nova York. O trabalho lírico é muito bem elaborado, enquanto sua base é feita por complexos ritmos caipiras, mas que se prolongam por quatro ou cinco minutos seguidos. Essa mistura improvável mesmo foi o suficiente para leva-los direto ao estrelato, quando tiveram sua faixa escolhida para a abertura de Justified, que foi ao ar pelo FX.
A série, que conta a história de Raylan Givens e Boyd Crowder, dois lados de uma mesma moeda, herói e vilão, respectivamente, é baseada na obra de Elmore Leonard, considerado por muitos o pai da literatura sulista norte-americana, durou seis temporadas e teve “Long Hard Times to Come” em sua abertura até então. E Elmore, enquanto viveu para acompanhar sua obra em formato televisivo, destacou o grupo como algo que nunca viu ao longo de seus oitenta anos de vida, quando disse que “Rench e seus amigos simplesmente criaram uma nova forma de música. Gangstagrass usa dois tipos de música que são opostas e as mixam brilhantemente de uma maneira natural e admirável”.
Rench e seus amigos simplesmente criaram uma nova forma de música. Gangstagrass usa dois tipos de música que são opostas e as mixam brilhantemente de uma maneira natural e admirável.
Gangstagrass é um projeto extremamente admirável por dois detalhes bem distintos. O primeiro deles é ver uma banda metropolitana, da periferia de Nova York, misturar tão bem o gênero sulista em suas faixas. O segundo, e mais importante, é o de unir com maestria, como disse Elmore Leonard, dois estilos opostos e que nunca pensaríamos combinar, de uma maneira tão única e apaixonante, que nos faz acompanhar faixa por faixa, como se fossemos parte da própria Dixie Mafia.
O trabalho mais recente do grupo é o American Music, lançado em 2015 mesmo, que já abre com uma bordoada em “Pulling Everything With Me”. Depois, são mais 13 alucinantes faixas alucinantes que te hipnotizam por rimas agressivas e rápidas, enquanto o banjo ao fundo e a batida, dão vontade de soltar o volante e bater palmas. A banda ainda tem mais três álbuns e todos eles são incríveis e diferentes entre si, o que vale ainda mais o play.
Justified foi uma de minhas séries favoritas até a presente data, assim como Raylan e Boyd são dois dos personagens mais incríveis que cheguei a conhecer. A obra de Elmore Leonard é muito bem escrita e traz sempre diálogos excepcionais, que nos encantam por sua simplicidade nas palavras, mas com profundo significado. Uma mistura tão nobre quanto essa obviamente merecia uma trilha sonora à altura.