A quem ache que o hardcore é uma expressão musical exclusivamente juvenil, uma chama incendiada pela faísca da raiva adolescente, o sentimento de não pertencimento e a inquietude em geral. Creio, no entanto, que ao menos uma centelha dessa chama segue viva sempre dentro de nós. O que muda é o contexto, a percepção em que a inquietude está inserida. Isso fica claro na música quando uma banda consegue sobreviver por tempo suficiente para fazer hardcore ou emo depois dos 30.
Quando o Hateen canta “não estamos ficando mais jovens, na verdade é um caminho sem retorno”, em “Coração de Plástico”, segunda faixa do recém-lançado Não Vai Mais Ter Tristeza Aqui, eles falam disso. A banda paulistana lança seu sexto álbum e comemora 22 anos de estrada na cena do rock alternativo nacional, cinco anos depois do seu último trabalho, Obrigado Tempestade (2011). O vocalista Rodrigo Koala expressa aqui esse sentimento de fazer hardcore depois dos 30, quando você e seus amigos já são pais e as preocupações adolescentes soam como bobagem. É, no entanto, um olhar diferente que dá maturidade à música e mostra como boas letras e melodias são atemporais.
O vocalista Rodrigo Koala expressa aqui esse sentimento de fazer hardcore depois dos 30. É, no entanto, um olhar diferente que dá maturidade à música.
O Hateen é de uma safra de bandas de rock nacionais que saíram do underground nos anos 2000. Junto da leva emocore, eles estouraram em 2006 com o disco Procedimento de Emergência e o hit “1997”. A onda passou e várias bandas quebraram na segunda década do milênio, mas quem conseguiu escapar da saída do mainstream e voltou ao underground do rock brasileiro, saiu vivo. De certa forma, isso fez que essas bandas lançassem grandes discos pós-moda, mais diretos, menos comerciais e feitos para o nicho em que eles pertencem. Dez anos depois do sucesso, o Hateen mostra em seu novo disco que está nesse grupo. Não Vai Mais Ter Tristeza Aqui é um belo álbum de rock feito para quem ainda gosta de hardcore com letras sentimentais.
O grande diferencial do novo trabalho é a qualidade de Koala em tratar de temas sérios, escrever em português e não soar brega com as emoções O disco passa por fragilidades, Síndrome do Pânico, solidão, abuso de bebidas, crescimento e superação. É triste em tese, mas com toques de esperança de uma banda de caras que já passaram dos 30 e não enxergam mais sentido no pessimismo. Já passou da hora de aceitar os problemas com tranquilidade e encarar de cabeça erguida a vida.
Na faixa que dá nome ao álbum e abre o disco, a banda dá o tom do que vem pela frente. É hardcore com bons riffs, espaço para os vocais e boas letras. “Perfeitamente Imperfeito” é um dos destaques na sequência, além de outras ótimas faixas como “Nada a Perder”, “Passa o Tempo” e “Sempre”. “Despedida (Com Dó Menor)” encerra o trabalho com uma bela visão sobre vida e morte, saudade e aprender a lidar com a vida.
No fim das contas, fica um gosto de nostalgia, um certo olhar sobre o passado que permeia todo o disco. É uma saudade boa, com esperança para o futuro.