Estamos no auge da produção documental e biográfica de Paulo Leminski. Ao alcance das mãos, temos os textos, poemas, partituras, áudios e artigos. O livre acesso – fruto do trabalho intenso da família – nos permite interpretá-lo, finalmente, com mais ousadia, sem um certo tipo de compromisso com o registro histórico e fiel de sua obra. Este olhar crítico e interpretativo sobre a obra Leminskiana, especialmente na sua vertente como cancionista, foi tema de debate realizado na Biblioteca Pública do Paraná, na última quarta-feira (12).
Idealizado e mediado pela produtora Tatiane Garcia, o bate-papo promoveu um diálogo aberto sobre a canção popular, o processo de criação e motivação de Leminski como compositor e a prática interpretativa das suas obras. Como convidados, o poeta e professor Marcelo Sandmann, o escritor e músico Kledir Ramil e eu – Juliana Cortes, intérprete de algumas canções do autor.
Marcelo Sandmann, autor do livro A pau, a ferro, a fogo e a pique: dez ensaios sobre a obra de Paulo Leminski, destacou ao público o caminho percorrido por Leminski até a canção, pontuando o quanto a música esteve presente em sua obra. “O Paulo começa muito cedo a escrever poesia e teve contato com o nome mais importante da poesia vanguardista dos anos 50: Augusto de Campos. Desta relação, ele tem um contato mais visual com o texto e aprofunda esse vínculo com o movimento de poesia concreta e poesia visual. Ou seja, ele começa sua produção literária fazendo poesia experimental. Para entender melhor, é importante saber que ele é um jovem nos anos 60 e acaba tendo contato com a contra-cultura, o movimento hippie e o próprio tropicalismo, um período onde canção popular ocupava um lugar de centralidade cultural e aqueles nomes que surgem no final dos anos 60, como Caetano e o próprio Chico e Gilberto Gil, abordam todos os tipos de tratamento nos textos das canções. Paulo Leminski acaba se interessando por isso”, explicou Sandmann.
A música para Leminski sempre foi um lugar de referência. Nasceram boas parcerias musicais com Caetano Veloso, Moraes Moreira, Guilherme Arantes, Itamar Assumpção, além das canções de sua autoria exclusiva. Sobre sua relação com texto e música, Leminski já dizia que “na nossa geração, o centro da poesia se deslocou do livro para a música popular. Do suporte livro, para o suporte disco. Essa associação de poesia e música tende a se tornar cada vez maior em termos de Brasil”. *trecho extraído do livro do livro de Marcelo Sandmann.
Como convidada do debate, reforcei a ideia de que a partir de agora será possível brincar com o mito e com o místico de Paulo Leminski. Compartilhei as minhas impressões como cantora das canções de Paulo Leminski, afirmando: “nas obras de autoria letra e música, Leminski cria os desenhos melódicos a partir do texto de um jeito muito natural, próximo da fala. Isso me faz acreditar que a preocupação dele é o conteúdo poético da canção e o texto, muito mais do que uma complexidade instrumental e harmônica”. Um exemplo é “Luzes”, conhecida na voz de Arnaldo Antunes.
Daqui pra frente é que poderemos interpretar do Paulo Leminski. Experimentar novas formas, harmonias e melodias. Dar um novo sentido ao texto e continuar o caminho de experimentações, proposto pelo autor durante toda a sua vida.
Kledir Ramil mergulhou no assunto do processo de criação de canção, conectando as falas dos outros convidados. O artista apresentou uma das suas formas criação, elegendo os conceitos de prosódia, métrica e rima (já deixada de lado na poesia moderna) como um dos caminhos possíveis para a composição.
Escritor e cancionista, Kledir contou ao público sua aproximação pelas letras: “em relação a essa questão de aproximação entre música e poesia, é importante dizer que eu venho das palavras cantadas. Aliás, a minha primeira paixão foi pela palavra falada, porque minha mãe narrava contos fazendo as vozes de todos os personagens. Então, mesmo na voz falada, existia o encantamento pelo som das palavras. E é esse som que vamos perceber no regionalismo, por exemplo. A entonação da fala vai influenciar na criação de canções. Acho que a nossa música popular vai expressar o nosso jeito de falar e vice-versa. O Brasil tem uma variedade de sotaques que é incrível, consequentemente, uma vasta sonoridade”, analisou Kledir.
A mesa-redonda apresentou diferentes análises sobre Paulo Leminski, letra de música e poesia, deixando uma vontade mútua entre público e artistas para um novo momento de estudo e reflexão sobre canção. Uma grande iniciativa que poderia se tornar um evento de rotina. A música brasileira merece.
Para o tempo presente, finalizo a edição desta coluna com um vídeo de tirar o fôlego. Uma interpretação divina de Ná Ozzetti & Orquestra Sinfônica do Paraná para a canção “Live with Me”.