Trocando em Miúdos: Em Saca la Muerte de Tu Vida, Esteban reúne influências que vão da música emo ao cancioneiro gaúcho e cria o seu estilo próprio em um belo álbum. / [rating=4]
Eu poderia começar esse texto falando sobre a febre da música emo no Brasil ali pela segunda metade da década passada, sobre como a moda deturpou o sentido de um gênero consolidado nos Estados Unidos desde o começo dos anos 1990 (que inclusive retornou com força recentemente com caras novas como Tigers Jaw e The World Is a Beautiful Place, além da reunião de grupos como American Football e Mineral), e sobre como a Fresno é uma das poucas bandas que conseguiram sobreviver relevantes por aqui. Não farei por acreditar que, hoje, resumir Rodrigo Tavares como o ex-baixista da Fresno é ser raso demais. Fora da banda desde 2012, Tavares hoje atende pela alcunha de Esteban e faz música própria, com a sua cara e referências das mais variadas.
Saca la Muerte de Tu Vida é o mais novo álbum do músico gaúcho, mas talvez o primeiro em que conseguimos enxergar um trabalho completo. iAdiós, Esteban! (2012) era o começo da carreira solo do artista, com ótimas músicas compostas durante vários anos reunidas em um disco sem muita cara definida. Nos dois anos seguintes, Esteban começou o processo que acabaria culminando em Saca la Muerte. Primeiro, o EP Smokers In Airplanes (2013), produzido em parceria com Stephen Christian, da banda norte-americana Anberlin. Em seguida, o EP Liquid Love Reality (2014), com o líder da também norte-americana Copeland, Aaron Marshall. Fã assumido das duas bandas, Tavares adquiriu muita bagagem nos dois EPs, em sonoridade e lirismo. Em contraste com esse lado de rock/emo, o músico passou a fazer parte da banda que acompanha o gaúcho Humberto Gessinger nos shows. Do ex-Engenheiros do Hawaii, veio o estilo de escrever sem apostar exatamente em um refrão, mas contando histórias, além de um maior contato com a música gaúcha.
Dessa mistura aparentemente estranha de rock alternativo, emo e música gaúcha, nasceu Saca la Muerte de Tu Vida, um álbum que mistura guitarras, piano, sanfona e violão numa harmonia extremamente sensível e precisa. É um disco que faz sentido e traz o toque pessoal de Tavares em cima das claríssimas referências dos artistas com quem ele trabalhou. “Janeiro” abre o álbum com perfeição, começando com a voz acompanhada do piano e crescendo em uma canção cheia de camadas que lembra especialmente o lado do Anberlin na criação musical do Esteban – mas um Anberlin que troca a urgência pela classe de violinos e a beleza da sanfona. Na terceira faixa, “Chacarera da Saudade”, vem outro tom presente no disco: o tango. “Dançamos tango em pleno carnaval”, canta. O som argentino aparece em outras canções, completando essa nada simples construção musical.
“Dessa mistura aparentemente estranha de rock alternativo, emo e música gaúcha, nasceu Saca la Muerte de Tu Vida, um álbum que mistura guitarras, piano, sanfona e violão numa harmonia extremamente sensível e precisa.”
O álbum segue uma linha consciente durante quase toda a sua extensão. “Me Sinto Humano” é provavelmente o ponto mais fraco, mas a faixa se perde no meio de outras grandes canções como “Martes” – cantada em espanhol – e “Maria”. O poderoso instrumental quase orquestrado transforma as letras já emocionantes de Tavares em peças grandiosas. É um ótimo disco com a capacidade de agradar muito os fãs do trabalho do artista e também conquistar novos ouvintes, inclusive os que nutrem certo preconceito pelo passado. Para Esteban, Saca la Muerte pode representar um efetivo começo da carreira solo, reconhecido pelo trabalho atual – que é muito bem feito.