Stephen Bruner não tem o Olho de Thundera dos Thundercats mais populares da história, mas bem que parece enxergar mais do que muita gente. O baixista/produtor/cantor de 32 anos é um dos nomes mais relevantes da nova safra jazz e instrumental de Los Angeles – ao lado de outros músicos como Kamasi Washington, história que contei algumas semanas atrás no texto sobre o jazz de La La Land – e parece enxergar cada vez mais melodias e nuances dentro de variados gêneros musicais.
Thundercat, como Bruner é chamado na música, está mais ligado à soul e jazz fusion de produções voltadas ao hip hop, como o Flying Lotus, e ficou mais famoso em 2015 ao colaborar no clássico contemporâneo To Pimp a Butterfly do rapper Kendrick Lamar (inclusive ganhando um Grammy pela faixa “These Walls”). Em seu trabalho solo, no entanto, Thundercat é um homem da black music em todas as suas vertentes. Ele é soul, é jazz, é hip hop, é funk dos anos 70 e R&B. E é um cara que experimenta sem se tornar difícil ou idiossincrático demais.
Bruner tem uma visão bizarra sobre a vida e é ela que embala as canções, com letras sobre o dia a dia, festas, sociedade, tecnologia e a maravilhosa vida que os felinos devem ter.
Na sequência do elogiado EP The Beyond / Where the Giants Roam (2015), Bruner acabou de lançar seu terceiro álbum solo de estúdio. Drunk é uma odisséia de 23 faixas que é uma verdadeira viagem em todas as referências e histórias do artista. Se os trabalhos anteriores dele eram mais sóbrios, Drunk é animado e chega até a ser engraçado em vários momentos. Isso porque Bruner tem uma visão bizarra sobre a vida e é ela que embala as canções, com letras sobre o dia a dia, festas, sociedade, tecnologia e a maravilhosa vida que os felinos devem ter (sério) em uma faixa dedicada ao próprio gato: “A Fan’s Mail (Tron Song Suite II)”.
Logo na segunda faixa, “Captain Stupido”, Thundercat descreve uma rotina baseada em “acordar, escovar os dentes, pentear o cabelo, ir para a festa, masturbar-se e ir dormir”. Depois, filosofa sobre a presença dos celulares e das redes sociais na nossa vida em “Bus In These Streets”, perguntando-se o que faríamos sem a tecnologia na nossa vida sem poder tweetar cada pensamento.
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Com uma escrita sincera e cheia de piadas involuntárias, Bruner acompanha tudo isso com belíssimas melodias que variam entre todos os estilos citados antes. Ele vai de Prince a soft rock de elevador com uma fluidez quase inacreditável, sem quebrar a narrativa e fazendo parecer que as transições entre cada uma das 23 faixas nem existem. Surgem, ainda, ao longo do disco várias participações bem especiais. Flying Lotus, Kendrick Lamar, Wiz Khalifa, Pharrell e a combinação surreal de Michael McDonald e Kenny Loggins em “Show You The Way”, um soul cheio de grooves sensuais cantado a três vozes que tem tudo para ser extremamente brega, mas funciona.
E é bem nessa linha tênue entre o cafona e o delicioso que Drunk funciona. Do mesmo jeito que quando não tem ninguém por perto é quase impossível ouvir “It’s Gonna Be Lonely”, do Prince, sem tentar imitar o falsete e ensaiar uma dancinha de ombros desajeitada, o som de Thundercat aqui é extremamente cativante. É também um disco sobre a vida real sem nenhum desejo de romantizar ou enfeitar ela, como fica claro em “DUI”, faixa que fecha o disco lembrando que, às vezes, tudo fica muito ruim, mas existe sempre o amanhã e, na pior das hipóteses, você fica bêbado e leva uma multa por dirigir embriagado. A vida é isso mesmo.