Antes de qualquer outro comentário: Mark Oliver Everett é uma das pessoas mais singulares na música alternativa das últimas décadas. Poucos transformam as inquietudes do dia a dia, a perda, o amor, doenças e as fragilidades em algo tão poético quanto o homem por trás do Eels. É impossível falar de Everett sem citar o seu segundo disco, de 1998, Electro-Shock Blues, influenciado pelo suicídio de sua irmã e a descoberta de um câncer em sua mãe. Desde então, o músico manteve uma aproximação tão grande com momentos de carga emocional absurda que criou uma naturalidade com os temas; alcançou uma forma delicada de transformar emoções em música, em que canaliza os sentimentos em poesia ao invés de raiva.
The Cautionary Tales of Mark Oliver Everett é o 11º disco da carreira do Eels, e um desses que seguiram relevantes mesmo um tempo depois do seu lançamento; o tipo de álbum que você retoma quando quer reencontrar um sentimento. Um disco que vem de mãos dadas com a serenidade de alguém que já passou dos 50 anos e, há pelo menos 20, faz música. É um álbum bonito e singelo, que passa longe das guitarras que acompanhavam outros trabalhos de Everett, ao optar pelo piano e uma verdadeira orquestra de violinos, violoncelos, clarinetes, saxofones e trompetes. O disco é uma grande janela para dentro de Everett, introspectivo e íntimo, tanto nas letras quanto nas harmonias, que fogem da grandiosidade e buscam o minimalismo e o conforto.
O próprio Everett explicou que Cautionary Tales é inteiramente influenciado por acontecimentos da sua vida, em específico a perda de uma pessoa por escolha própria, a qual se arrependeu depois. Ao longo das 13 faixas, o músico segue a sua busca por respostas para a vida. Respostas para os seus problemas, para os seus relacionamentos e para a solidão. Nas letras, Everett enfrenta todos os lados da situação tema do álbum. Desde a recriminação e acusação dos erros dos outros até, principalmente, o autojulgamento e visão dos próprios erros – não no sentido de sentir pena de si mesmo, mas sim de aceitar os caminhos que tomou.
O músico manteve uma aproximação tão grande com momentos de carga emocional absurda que criou uma naturalidade com os temas.
Com tantas faixas calmas e introspectivas que narram acontecimentos tristes, o disco poderia tomar um rumo quase depressivo, mas Everett repete aqui algo que já fez no citado Electro-Shock Blues: encerra a história com otimismo. Lá em 1998, o disco repleto de mortes e funerais termina com a belíssima “P.S. You Rock My World”, em que Everett declara que todos estão morrendo, então talvez seja hora de começar a viver. Em Cautionary Tales, as duas canções finais dão esse mesmo toque de esperança ao fim do álbum. Em “Mistakes of My Youth”, canta sobre o autoentendimento e sobre não repetir os erros de sempre. “I can’t keep defeating myself / I can’t keep repeating the mistakes of my youth”, para depois afirmar que nunca é tarde para mudar o rumo e acertar as coisas. Na sequência, Everett assume uma posição que lembra os trabalhos iniciais de Tom Waits na década de 1970; com piano e instrumentos de sopro numa canção tranquila e com clima de bar vazio na madrugada. “Where I’m Going” traz a declaração final do cantor aqui: eu não sei muito bem para onde estou indo, mas acho que estou no caminho certo. É a aceitação final de que talvez as flores não continuem crescendo, mas que as escolhas foram feitas e tudo o que você precisa é um pouco de fé nelas.
Ouvir Eels é, para mim, mais do que uma experiência musical sozinha. É como ler um livro. Há sempre algo que podemos levar para a vida nas histórias contadas por Mark Oliver Everett. Sem muita atenção, discos como Cautionary Tales podem parecer tristes e sombrios, mas no fundo o sentimento não é esse. Acima de tudo isso, mesmo tendo músicas não tão marcantes em sua composição, o disco traz uma espécie de conforto. É música sincera feita por quem reconhece a leveza dos sentimentos mais pesados.