Característica comum na cultura de um país de dimensões continentais como o Brasil, o reggae se desenvolveu de forma distinta nas regiões do país. Ainda que não haja nenhum estudo rigoroso sobre o trajeto do ritmo em terras tupiniquins, e que também seja difícil apontar sem risco de erro os precursores, foram muitos os que se viram influenciados pela energia do gênero eternizado por Bob Marley.
Desde a vinda de Jimmy Cliff para participar do Festival Internacional da Canção, em 1969, vimos o reggae ganhar espaço no gosto popular. Jards Macalé e Luís Melodia foram apenas alguns dos que se aventuraram em fazer experiências com o ritmo, que encontrou em Gilberto Gil o verdadeiro espírito aventureiro, sendo que o baiano chegou a gravar um compacto com uma versão em português de “No Woman No Cry”, clássico de Marley.
Mas foi no Maranhão, a “Jamaica Brasileira”, onde o reggae passou a fazer parte do cotidiano e da cultura popular, sendo abraçado por uma geração inteira de músicos, entre eles a Tribo de Jah. Completou a ponte entre Brasil e Jamaica a vinda de Bob Marley e Peter Tosh ao país. Ainda que nunca tenhamos vivenciado um boom nacional do reggae, como aconteceu com o punk e o rock and roll durante os anos 80, grupos como o Cidade Negra, no início dos anos 90, e Natiruts, na segunda metade da mesma década, mergulharam profundamente no gênero, que ao longo dos anos influenciou artistas como Os Paralamas do Sucesso e Skank.
Com oito canções, o disco do grupo faz uma calorosa mescla de ritmos, mostrando um reggae maduro e sem medo de beber em outras fontes.
Em Curitiba, grupos como Graoara e African Band deram os primeiros acordes pela cidade, sendo que depois a icônica Djambi marcou época, sendo uma das grandes responsáveis pela criação de uma cultura de reggae na cidade. Arma de Jah, Prefixo 41 e Namastê também auxiliaram a engrandecer o reggae curitibano. Mais recentemente, a Leash, banda que participou do programa da Rede Globo Superstar, trouxe uma nova leva de fãs, fazendo um reggae muito mais puxado para o pop e a surf music. Agora, sem dúvida Curitiba não teria respirado tão intensamente o reggae não fosse a presença do ilustre Geraldo Carvalho, um dos maiores nomes sobre o assunto e falecido em 2006 – leia mais no Parágrafo2 sobre o reggae em Curitiba.
E mais um capítulo dessa história foi escrito no final de agosto. A Notívagos lançou seu primeiro trabalho completo, Essa Guerra Vai Ter Fim. Com oito canções, o disco do grupo formado por Baloy, Guilherme, João Piva, Maximo, Daniel, Pedro Rocky, Lucas Abreu, Kadu, Pedro Schnorr e Felipe Lindstron faz uma calorosa mescla de ritmos, mostrando um reggae maduro e sem medo de beber em outras fontes.
Se por si só o ritmo já é um catalisador de influências, no trabalho da Notívagos isso fica mais claro, onde as canções ganham vida a partir da junção de melodias e um descarrego de letras em que os princípios da cultura Rastafári como amor às pessoas, igualdade e fraternidade se fazem presentes, em uma roupagem moderna, provando que o gênero é capaz de se reinventar para manter-se próximo do público.
Essa Guerra Vai Ter Fim encaminha releituras melódicas que podem ser capazes de alavancar o gênero na cidade, que vem sofrendo após a morte de Carvalho com a ausência de grandes shows e uma cena fortalecidade. A Notívagos flerta com a soul music, o funk e o rap, formatando uma carreira que deve ser marcada por um grande aparato de estilos musicais.
Os arranjos e os timbres do disco jogam a favor do grupo, pois amplificam os recursos que notadamente cada músico possui. Isso acaba fornecendo momentos únicos no disco como na quebra rítmica de “Joga o Dado”, no naipe de metais afiado do samba-reggae de “Momento Inesperado”, ou na irrepreensível “Caretas”, ponto altíssimo de Essa Guerra Vai Ter Fim, um disco para ser repetido à exaustão.