Há no Brasil duas correntes críticas muito fortes ao rock’n’roll feito por aqui – e o mesmo vale para todas suas vertentes. Uma delas considera o que é feito no país como algo enterrado, fechado na produção entre a segunda metade dos anos 1970 e a primeira dos anos 1980, com um leve último suspiro no início dos anos 1990. A outra, mais pesada, acredita que no Brasil não se faz nem nunca fez rock’n’roll. O que é produzido aqui seria nada mais que pastiche do que recebemos vindo de fora, especialmente de origem anglo-saxônica.
Existe uma terceira via, da qual faço parte, que acha um tremendo exagero acreditar nessa afirmação de que “o rock morreu”, mas que pensa que, por vezes, nossos artistas pecam por simplesmente reproduzir suas referências. É fantástico, por exemplo, o trabalho da geração Manguebeat, que rompeu com o establishment e incorporou ritmos e características de nossas raizes culturais para criar uma música original. Contudo, é inegável como The Baggios, Quarto Negro, Esteban e Banda Gentileza souberam impor sua personalidade a partir de suas referências, mesmo que não haja no trabalho destes artistas a gênese de um movimento novo.
Neste contexto, é importante falar que continua a sofrida relação entre as artes nas cenas locais, desconexas da multidisciplinaridade que deveria ser inerente às artes. Desta forma, pouco vemos movimentos que se aglutinem para germinar um ambiente propício a uma arte pulsante, contagiante e verdadeiramente inovadora. Mas na outra via, é cada vez mais comum vermos grandes músicos, verdadeiramente talentosos, cercados de boa produção, o que nem sempre foi uma constante na música nacional.
Aos que os acompanharam nos últimos anos e se esbaldavam com a energia do grupo no palco, o disco traz certas dúvidas e outras tantas confirmações.
Eudaimonia, trabalho da Lenhadores da Antártida, banda vencedora das seletivas regionais do Hard Rock Café Curitiba, e que representará a cidade no Viva Rock Latino, projeto da rede Hard Rock, é um desses casos. A banda, que completou seu quarto ano de existência em 2015, é conhecida da noite curitibana. Aos que os acompanharam nos últimos anos e se esbaldavam com a energia do grupo no palco, o disco traz certas dúvidas e outras tantas confirmações.
Impossível não notar o cuidado do grupo na produção do disco. Eudaimonia é mais um dos grandes trabalhos realizados por bandas curitibanas. Felipe Amaral deixa claro por que é um dos melhores bateristas em atividade no Paraná, as linhas melódicas são consistentes e o vocal de Ricardo Passos não perde uma nota – inclusive ao vivo. Ainda assim, há algo que soa artificial no disco, algo próximo do que Cristiano Castilho notou no lançamento do Sabonetes, aquela canção banho-maria, sem causa e efeito.
O folk trabalha elementos do country com a sapiência dos trovadores e repentistas. Bob Dylan é, ainda, o maior expoente dessa vertente um tanto irônica, afinal, mesclar uma melodia mais tradicional com elementos artísticos mais etéreos é pra lá de original – além de bastante curioso. Contudo, o folk rock que a Lenhadores da Antártida fez em Eudaimonia é hype, efêmero.
Mesmo Bruce Springsteen mostrou que o folk não são meia dúzia de canções sobre o nada misturadas com uma voz rouca e um banjo ou uma guitarra. Não há necessidade de nos oferecer dez canções geniais, mas a verdade é que a energia e o suor que víamos nos palcos, em Eudaimonia foram transformados em um desses homens comuns, esquecíveis. Um disco redondo, com ótimos riffs, excelente produção, mas que já ouvimos outras tantas vezes.
Há de se exaltar o esforço de Amaral e Passos em levar a banda adiante agora como um duo, mas meninos, precisamos conversar. Eu sei que vocês podem mais. Tragam os excelentes músicos que vocês, esqueçam o hype do gênero. A moda passa, a banda, é minha torcida, precisa ficar.