Alvorecer, começar, iniciar o desenvolvimento de algo. Jean-Jacques Rousseau escreveu em Discurso Sobre as Ciências e as Artes (1749): “(…) percorrer a passo de gigante, assim como o sol, a vasta extensão do universo; e, o que é ainda maior e mais difícil, voltar-se para dentro de si mesmo, a fim de ali estudar o homem e conhecer a sua natureza, seus deveres e seu fim”. Há em todo começo a possibilidade de olhar para si e iniciar uma caminhada a partir do autoconhecimento. Reflexão semelhante surge com o primeiro LP da curitibana The Shorts, Dawn.
Lançado na última semana, o disco é o sucessor do EP Serendipity, o prosseguimento estético e musical do trabalho iniciado em 2015. Muito mais madura depois da rodagem em inúmeros palcos, a banda apresenta um disco que ainda investe em arranjos e timbres complexos, concentrando a sonoridade no que chamam de “bluenoise” (termo que a banda criou e explicou seu significado em entrevista no jornal Gazeta do Povo), ainda que haja uma carga psicodélica maior em relação ao registro anterior. O casamento desta psicodelia com o noise e o shoegaze que ditaram a identidade do grupo conduz a The Shorts a um novo nível musical, fruto de tudo que os integrantes absorveram, inclusive do trabalho de Kramer (Galaxie 500, Sonora Coisa), responsável pela mixagem e masterização do disco, feitas nos Estados Unidos.
As composições de Natasha Durski revelam uma visão densa e complexa do mundo e suas relações, e evocam personagens extremamente influentes, inovadores e inventivos.
Aos ouvidos que já haviam escutado o primeiro single de Dawn, “Vivid Vision”, a sensação do álbum é a proximidade cada vez maior entre o quinteto, um entrosamento que desagua na coesão e harmonia do LP. Sonoramente, há diferenças sutis entre o álbum de estúdio e ouvir o grupo em cima de um palco. Visualmente, é necessário, porque amplifica a experiência e as percepções. Toda a ferocidade contida em Dawn pode ser traduzida pelo conceito impresso no conjunto de guitarras e nas linhas de baixo de Andreza Michel, conjunto que resulta em música vital, inegavelmente enérgica e em movimento.
As composições de Natasha Durski revelam uma visão densa e complexa do mundo e suas relações, e evocam personagens extremamente influentes, inovadores e inventivos como David Foster Wallace e David Bowie. De cada um a The Shorts assimila uma mistura atípica de ironias sobre ser alguém no mundo, ou como diria Wallace sobre a ficção “do que ‘diabos’ se trata ser um ser humano”. Dessa forma, as composições estão permeadas de paixão (e tem até trechos de “On Some Faraway Beach”, canção de Brian Eno presente no álbum Here Come the Warm Jets, de 1973, em “Deserto”, faixa que abre Dawn) e confissões sobre a tumultuada existência em dias que parecem longas tormentas sem fim.
Explicar porque a The Shorts é a melhor banda dessa nova safra curitibana provavelmente resultaria em uma extensa lista de adjetivos e outras tantas teorias complexas de traduzir ao leitor. Há também a difícil tarefa de transcrever em palavras um show ímpar, teatral, visceral, hipnótico, quente, sexy. Por isso, se desejar conferir essa catarse coletiva, o próximo transe em terras curitibanas é em dezembro, no Jokers Pub, com o lançamento oficial do disco para Curitiba. Imperdível.