Não faltam na história nomes expressivos que demonstrem a importância da presença feminina no mundo da música. Aliás, sendo justo, não é necessário recorrer à história para falar sobre o óbvio: música não tem gênero. Ou melhor, não deveria ter. Por mais que o leitor e fã de música possa buscar em sua memória, de longa data ou recente, bons exemplos de musicistas, a verdade é que, principalmente no contexto brasileiro, rock and roll ainda não é visto como uma expressão de arte agênera. Obviamente, isso não quer dizer que não existam mulheres no rock, apenas é uma constatação de que há pouco espaço na mídia (e nos fones de ouvido) para grupos de mulheres ou majoritariamente femininos.
Enquanto nos acostumamos a crer que apenas homens devam empunhar suas guitarras, dedilhar freneticamente seus baixos ou quebrar tudo nas baterias, Curitiba assiste no escuro de sua noite um grupo ganhar dia a dia mais espaço, sendo conduzido (mesmo que não exclusivamente) por três mulheres. A Uh La La ! e seu mezzo bubblegum pop, mezzo garage rock rompe barreiras na cena autoral da cidade.
Andreza Michel, a frontwoman da banda, carrega seu baixo Fender e arrebenta dedilhadas nele com a mesma energia que desprende sorrisos em todas as apresentações do grupo (e o mesmo vale para quando assume o instrumento na The Shorts). O equilíbrio vocal alcançado com a segunda voz de Eliza Matta, dá maior corpo às canções. Aliás, as linhas vocais de Eliza agregam uma beleza harmônica pouco comum no bubblegum pop ou no garage, inclusive evidenciando a potência da voz de Andreza, mais que preenchendo uma a voz da outra.
Ivan Roccon, o guitarrista e responsável pelos riffs chiclete de Volume Dez, primeiro disco da Uh La La !, lançado em 2014, e Eduardo Nogueira constroem ótimos contrapontos no álbum. Faixas como “Remédio”, que abre Volume Dez, e “Esquece” têm uma roupagem na qual a participação dos dois músicos dá uma identidade diferenciada. Enquanto isso, Babi Age, a baterista e figura já conhecida em outros trabalhos (como n’Os Savages), conduz com maestria o quinteto a partir de sua baquetadas certeiras.
Babi tem um senso musical que vai além do que encontramos pelas bandas que enveredam pelo rock.
Babi tem um senso musical que vai além do que encontramos pelas bandas que enveredam pelo rock. Entre o virtuosismo, característico dos gênios do jazz, a crueza do garage rock e o “go fuck yourself” do punk, a baterista rege a Uh La La ! com uma energia contagiante. “Hey Hey” é uma canção em que sua presença faz total diferença, muito mais que em qualquer outra faixa. O mesmo vale para sua quebrada de ritmo em “Menina Má”. Por sinal, esta talvez seja a melhor música de Volume Dez.
Organizada em três estrofes relativamente simples, logo se nota que não é uma música qualquer. Baixo e bateria estão “colados”, enquanto os riffs de guitarra e suas camadas mais próximas do surf music prestam homenagem a clássicos como Dick Dale and his Del-Tones. Sua urgência, seus compassos 4/4 reverberando alucinantemente, o tremolo dando efeitos típicos e os graves do Fender Precision Bass de Andreza são o ponto mais alto de um disco que sobe suas expectativas logo na primeira audição e, tal qual um vinho, fica melhor com o tempo. Neste caso, com as audições.
“Astronauta”, “Bonequinha de Luxo”, “Se Liga” e “Brinquedinhos Encardidos” encerram com elegância esse animado Volume Dez, que cumpre seu papel de te fazer dançar e ensurdecer. No fim, o disco e a banda mostram que ser um exercício político não necessariamente é medido a partir de suas letras ou de sua atitude, mas, em muitos casos, apenas por sua simples (e necessária) existência.