2016 é (ou precisa ser) um ano da vitória sobre o ódio. Uma das maiores dificuldades para o ser humano – o brasileiro, principalmente – será exercitar a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, até porque precisamos, para isso, enxergá-lo, aceitá-lo e respeitá-lo.
Musicalmente falando, 2015 trouxe alguns bons ventos, que acredito que irão se multiplicar, ganhar mais corpo e adentrar nossas casas – até que cheguem a nossos espíritos. O fortalecimento de Johnny Hooker (que escrevemos em texto que você pode ler clicando aqui) e o surgimento de Liniker (sobre ele você pode ler aqui) foram pontapés iniciais em uma disputa política de direitos humanos suprapartidária. Sim, política, já que a arte é um exercício político, um posicionamento, mesmo que explicitamente nada se diga.
Enquanto, politicamente, câmaras municipais país afora impedem o debate (necessário) sobre gênero, Hooker e Liniker rompe convenções fazendo de suas vozes, corpos e melodias manifestos sobre uma sociedade mais humana – e isso sem gritar uma palavra de ordem sequer. Por sorte, não são os únicos.
São Paulo, o coração econômico do Brasil – e às vezes o caldeirão de ódio e intolerância – vê surgir abrindo alas graciosamente o grupo As Bahias e a Cozinha Mineira. Difícil imaginar nome mais propício à banda. Assucena Assucena, Raquel Virgínia, Rafael Acerbi, Rob Aschtoffen, Carlos Eduardo Samuel, Vitor Coimbra e Danilo Moura são, na forma mais simples possível de apresentá-los, um oásis criativo, musical, político, no qual o amor transborda em notas, melodias e em um show ímpar, tamanha presença de palco.
Mulher, disco de estreia d’As Bahias e a Cozinha Mineira lançado em 2015, é um turbilhão mágico que, tal qual a “Paulicéia Desvairada” de Mário de Andrade, se compõe pelo rompimento estético com padrões anteriormente estabelecidos – neste caso, na música. Em Mulher, o grupo revisita o movimento modernista brasileiro, deglutindo inúmeros “Brasis” para, então, evocar uma sonoridade que case com sua visão de mundo e de sociedade.
O grupo revisita o movimento modernista brasileiro, deglutindo inúmeros ‘Brasis’ para, então, evocar uma sonoridade que case com sua visão de mundo e de sociedade.
As Bahias e a Cozinha Mineira surgiu pelos corredores da Faculdade de História da Universidade de São Paulo (USP). Assucena e Raquel Virgínia, mulheres trans e vocalistas do grupo, fazem questão de deixar bem claro que “a questão de gênero passa pelo disco, permeia, mas não é o foco.” A pluralidade sonora e lírica é construída a partir do respeito à arte, mesclando ritmos, elementos, símbolos (estéticos ou não) minuciosamente, com o cuidado que um cineasta ou dramaturgo têm com suas obras.
De “Apologia às Virgens Mães” a “Reticências”, ponta de cima e de baixo das 13 faixas que compõem o incomparável primeiro trabalho do grupo paulistano, você inevitavelmente será tragado para um mundo poético, mais tolerante e bonito. Navegando pelo brega, pelo funk carioca, pela soul music e pelo tropicalismo, o grupo mergulha o ouvinte em muitas raízes tipicamente afro-brasileiras, desbravando sons que, por vezes, acreditamos serem distantes, aproximando opressor e oprimido por meio da música, rasgando convenções e celebrando, entre a ironia e o desbunde, uma mulher que não deixam (ou não querem) que seja vista.