Como dizia Nina Simone, o dever de um artista é refletir os tempos e o mineiro Rafael Ops faz isso muito bem em seu primeiro álbum perante aos retrocessos vividos no Brasil. Com oito faixas, Não Tá Tudo Bem, carrega uma poética existencialista, que tenta nos fazer acordar e enxergar como somos escravos do sistema consumista em que vivemos.
Escravidão que retrata na música “Vai Passar” ao conversar com a nossa condição de ser social inertes diante do modo de vida imposto. No videoclipe, o ritmo insano do cotidiano dos trabalhadores brasileiros é representado ao som de uma música que leva a relacionar a vida como uma fase de videogame. Uma fase efêmera e mal vivida, que tem escorrido pelas mãos em meio a cegueira coletiva.
O disco que une indie, folk, música eletrônica, ritmos brasileiros e ritmos latinos, é permeado por desabafos e já inicia com uma crítica à indiferença da maioria da população frente à miséria, à doença e à fome, na faixa a “Sua Culpa”. Com uma letra irônica em meio a música eletrônica, o artista mostra como acabamos nos tornando cúmplices dos opressores com a nossa inércia política.
Em conversa com Ops, ele vai mais afundo e explica: “de um modo geral, os próprios oprimidos crescem com o desejo cultural de enriquecer, de ter uma mansão, um iate, uma ilha, luxo e poder. De se tornarem os opressores, enfim. Mas não é nossa culpa né? Ou é? Ou podemos dedicar nossas vidas a lutar para que ninguém precise, literalmente, morrer de fome? O último verso diz que vai ser melhor, dessa vez, se o rato comer a cobra. A cobra representa 1%. O rato, 99%.”
Ops vem de uma carreira de DJ e participou como cantor e compositor de várias bandas em Brasília, cidade que se tornou sua casa desde os dois anos de idade. É também ator, o que observa-se nitidamente em suas performances nos videoclipes do disco. Mas, no ano passado, enxergou que precisava fazer mais. Precisava parar de “fazer dançar para fazer pensar”. E, vejo, que conseguiu unir as duas coisas nesse álbum, que vai além de um disco e se torna um disco-protesto por uma vida mais digna.
“A vida de DJ passa por muita festa e alegria, o que é importantíssimo, ou melhor, fundamental, mas muitas vezes deixamos a feiura do mundo de lado. A arte sempre foi e será nosso maior instrumento de luta política e eu precisava empunhar e usar a arma que eu tinha. Nesse momento retrógrado do Brasil e do mundo, sinto que é necessário que os artistas que se sintam preparados, usem sua arte como arma”, comenta o artista.
A arte sempre foi e será nosso maior instrumento de luta política e eu precisava empunhar e usar a arma que eu tinha. Nesse momento retrógrado do Brasil e do mundo, sinto que é necessário que os artistas que se sintam preparados, usem sua arte como arma.
Na música que dá nome ao disco, Ops representa bem o sentimento que o fez usar a arte como arma política: “Mais um dia / E eu fingindo que tá tudo bem / Não tá tudo bem não / Na real / Eu cansei de olhar pro umbigo / Na beira do precipício / Tanta gente sem um lar / Tanta coisa pra mudar”. Trecho que me arrepiou a primeira vez que ouvi, porque também contempla o que venho sentindo há muito tempo, e acredito que muitos ao ouvi-la também se sentirão assim.
No trecho seguinte da música: “Tanta gente todo dia chamando por deus. Onde anda esse deus?”, o artista segura uma bíblia no videoclipe e dela começam a cair imagens de políticos que distorcem a religião para fomentar discursos de ódio. Continua sua performance e ao cantar “Tanto ódio / Combustível da inveja e a vaidade / Desse nosso egoísmo”, lava a bíblia para representar que “precisamos ‘lavar’ o ódio e a intolerância da religião cristã”.
Ao ser questionado sobre a música, o artista revela que não quis citar ninguém no seu disco, mas não teve como não fazê-lo em vídeo: “A situação é emergencial. Há um presidenciável com muitas intenções de voto, especialmente entre os jovens cristãos e, além dele, uma série de políticos religiosos que se aproveitam da religião para promover discursos de ódio (…) Acho que a igreja, através de seus líderes milionários, se tornou a maior inimiga da democracia e o segundo maior recurso para manipulação de massa, perdendo apenas para a grande mídia. Não quis em momento algum atacar a bíblia ou a religião, mas sim os hipócritas, egoístas e criminosos que estão nadando em dinheiro a custa da fé do povo”.
Na segunda faixa do álbum, denominada “O Seu Remédio”, Ops musicaliza a sua crítica quanto a manipulação das massas pela grande mídia e lança a ideia: “Pra mim ainda é um mistério é comum por aqui passar a vida no débito / Você só segue o ritmo / E o que o Bonner diz / Que desperdício de cérebro”.
Mas no álbum de Ops, o amor também tem lugar. Amor que é visto pelo o artista como solução para as mazelas da nossa sociedade. Em “Olha a Sorte Que Eu Dei”, quem achou que nunca iria compor uma música sobre amor, nos presenteia com um indie gostoso, que diz “faz tempo que eu quero te dizer / Que a vida não ta fácil pra ninguém / Mas é só lembrar de tu que eu sorrio e fico bem”.
O álbum de Ops incomoda, porque faz refletir. Mas o chacoalho é bom, é necessário. É preciso acordar. Como o músico diz: “a medida em que crescem os discursos fascistas, precisamos fazer crescer os discursos humanistas”. Ter empatia com o outro, com o nosso planeta. É preciso “dançar na cara da cavalaria”, como diz a letra de “A Nossa Arma”. E o bom disso tudo é ver que a solução se dá no amor. “Amor, somente o amor” tem o poder de revolução, como se percebe na última faixa do disco – a mais poética ao meu ver.
É a música que faz lembrar dos teus sonhos de criança e ver que sim, podemos “ser tudo que o sonho permitir”. Se despertarmos, um mundo melhor há de existir.
NO RADAR | Ops
Onde: Brasília, DF;
Quando: 2003;
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