Paula Cavalciuk integra um grupo de novos artistas brasileiros no qual arte e engajamento caminham juntos. Assim como Liniker, Carne Doce, As Bahias e a Cozinha Mineira e Francisco, El Hombre – com quem inclusive já dividiu palco –, a cantora e compositora, de 33 anos, nascida em Vale do Ribeiro, interior de São Paulo, vem construindo uma carreira na qual a reflexão sobre a igualdade de gênero é ferramenta importante.
“O feminismo para mim é recente. Acho que cada um tem um processo e que existem muitas maneiras de se expressar politicamente”, conta Paula no livro Vozes transcendentes: os novos gêneros da música brasileira. E o processo da artista tem muito a ver com uma mudança de cidade. Foi em Sorocaba, em 2010, cidade para onde se mudou para trabalhar, que ela começou a cantar em bares e a vencer suas inseguranças. “Coloquei na cabeça que não era boa”, conta ela na publicação, lembrando dos receios que a afastaram dos palcos dos 12 aos 25 anos. Junto a esse processo de amadurecimento artístico e pessoal é que vieram as reflexões. “Num dado momento, resolvi parar para pensar melhor sobre o assunto, para ver o que estava acontecendo no mundo em relação às mulheres. Mergulhei de cabeça e começaram a cair as fichas da minha vida”, lembra.
Autobiográfico, engajado e com uma variedade de influências, o trabalho da Paula Cavalciuk emana a sinceridade de quem cria e, nesse movimento, se recria.
Mapeia, EP lançado em 2015, marca o início da caminhada da cantora apresentando composições próprias e já traz músicas com personagens e temáticas femininas. São quatro faixas, produzidas por Ítalo Ribeiro e com coprodução de Gustavo Ruiz e Bruno Buarque. Em “Maria Invisível”, possivelmente a canção mais marcante do disco, Paula fala sobre a maneira como são tratadas as empregadas domésticas. Uma música com instrumental animado e uma letra forte, que dão à composição um tom satírico. “Ninguém pergunta onde mora/Ninguém conhece seu drama/ Mas ela é muito bem paga para cuidar dos meus filhos/Só não tem tempo para os seus/ Mas isso também já não é problema meu”, canta ela.
Já “Antes de Nascer”, outra faixa do EP, fala sobre as dúvidas que surgem durante a gravidez: “Já gosto de você/ Já ouso até dizer ‘te amo’ /Mesmo sem nem te ver/ Já sei que não foi mero engano/ Eu fiz um escarcéu, eu sei/ Eu fiz a drama-queen, eu sei/ Às vezes tenho medo/ Mas quem não tem?”. Canções que oscilam entre o peso e a leveza, mas que estão, de certa forma, dentro de uma mesma realidade.
No trabalho seguinte, de 2016, intitulado Morte e Vida, primeiro álbum completo da artista, Paula apresenta um conjunto rico de canções que versam sobre o feminino e sobre outros temas que remetem à vida adulta. Em “Morte e Vida Uterina”, por exemplo, faixa que abre o disco e principal destaque do trabalho, ela narra o processo de amadurecimento de uma menina e as dúvidas e dilemas que surgem nesse momento. A música ganhou um videoclipe em stop motion, dirigido por Daniel Brusson.
Mantendo a parceria com Gustavo Ruiz e Bruno Buarque, que agora assinam como produtores do trabalho, as onze faixas fazem jus à definição de “pop planetário”, dada pela própria cantora à sua música. São músicas cantadas em inglês, português e espanhol, que transitam pela MPB, por ritmos latinos e pelo rock sem deixar de transparecer, aqui e ali, referências do sertanejo raiz, estilo que fez parte da formação musical de Paula durante a infância e a adolescência vividas no interior de São Paulo. Um disco de grande delicadeza, tanto em termos sonoros quanto temáticos.
Autobiográfico, engajado e com uma variedade de influências, o trabalho da Paula Cavalciuk emana a sinceridade de quem cria e, nesse movimento, se recria. Um processo que é pessoal, mas não solitário. Como ela conta no livro Vozes transcendentes: os novos gêneros da música brasileira, “canalizei as energias para me unir com outras mulheres, empoderar outras mulheres, para me permitir fazer o que eu queria, me descobrir e para cantar também sobre essa luta”. Junto dela, vão muitas histórias.
NO RADAR | Paula Cavalciuk
Onde: Sorocaba, São Paulo;
Quando: 2015;
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