Hoje o assunto é delicado. Cover cheira a amor ou a aborrecimento. Por vezes cria rancor. Eu mesma confesso que tenho ciúme de certas músicas que outros pegam emprestado. A questão é sempre “cover tem que ser fiel à canção original ou o mais legal é retrabalhá-la?” Depende. Gostar de uma música, com afeto exagerado, gera aquele sentimento de possessão e aí você não quer que fiquem mexendo, pois acha que perde a aura, que não a reconhece mais. Por outro lado, fazer cover é arte em suas diferentes formas, então por que não desapegar?
Lembrando de algumas bandas que fizeram covers de canções dos anos 1970 e 1980, várias vêm à cabeça, mas como o espaço é pequeno, melhor fazer uma humilde lista de média fidelidade. Sabe como é, os gostos podem ir mudando ao longo do tempo. Iggy Pop, por exemplo, odiou o primeiro álbum do Velvet Underground. Só se apaixonou depois de seis meses de audição. Então, o que hoje está na lista, amanhã pode não estar mais.
Começando por algumas versões que não curto muito. ”Killing Moon”, do Echo and the Bunnymen. Não adianta, não gosto que mexam. Pavement fez uma cópia arrastada, The Quakes achou que estava cantando The Stray Cats. E a badalada versão do Novelle Vague? Desculpe, mas Bossa Nova não é a minha praia. E quando me mandam versão nova pra ouvir já me anseio.
Moby fez uma versão irreconhecível para “Temptation”, do New Order. Sinceramente, não acho que a música merecia ter toda a delicadeza que o músico colocou nela. Os Smashing Pumpkins tocam “Transmission”, do Joy Division, em alguns shows e, de verdade, não queria estar lá pra ouvir.
A questão é sempre ‘cover tem que ser fiel à canção original ou o mais legal é retrabalhá-la?’ Depende.
Para não dizerem que, pelo andar da conversa, gosto da cópia tradicional, digo-lhes que “Kangaroo”, original do Big Star, cantada pela turma do This Mortal Coil é uma cover que carregarei para sempre. É até covardia comparar, porque tanto a versão original quanto a cover são matadoras. Gordan Sharp (Cindytalk) cede à música uma melancolia que chega a doer.
A instrumentação é diferente da original. O timbre de Gordan, alternando entre o grave e o agudo, o baixo, tocado lindamente por Simon Raymonde (Cocteau Twins) ganhando máxima atenção, tudo em “Kangaroo” permite uma versão mais, digamos, etérea. O saudoso Jeff Buckley também fez uma versão bacana, mas com roupagem bem psicodélica.
“Enjoy the Silence”, do Depeche Mode, nas mãos de Nada Surf. A banda refez a música em versão acústica, sem o embalo sombrio que a original tem. É leve, delicada, é Nada Surf! Se você ainda não a ouviu, corra para o vídeo aí abaixo. E sente e chore porque encontrar a banda, sem planos, em uma praça cantando essa, é para os corações fortes.
Esqueça “In Between Days”, do The Cure, com aquele violão e teclados na maior harmonia. Na versão do Superchunk tudo fica mais intenso e a guitarra impera, claro. É Superchunk tentando ser um pouco mais meigo, mas não menos nervoso. Agora falando (para poucos ou muitos) do clássico dos clássicos – a versão mais linda para “I Started a Joke”, do Bee Gees, está nas mãos de uns guris que podiam ser filhos dos irmãos Gibb. Os australianos do The Lucksmiths conseguem colocar ainda mais tristeza na canção, usando tudo o que aprenderam com este tal de Twee Pop.
E pensando em uma versão brazuca, tem o Pato Fu, que toca “Cities in Dust”, da Siouxsie and the Banshees. Ouça pra me dizer se os primeiros acordes não lembram “Lullaby”, do The Cure. A banda dá outra roupagem à música. Colocam sintetizador, riffs mais leves. Fãs mais ardorosos da Siouxsie reclamam que o Pato Fu tirou a força da canção original. Eu acho que aqui não cabe comparar – a batida, as vozes, tudo é diferente. Fernanda Takai é única no seu tom, Siousxie é deusa e “Cities in Dust” é hino. Então como faz? Preferia Pitty fazendo? E também tem outra – Fernanda é filha do pós-punk e digna de cantar qualquer música da época.
Antes de ir embora não posso deixar de falar sobre duas coletâneas de covers que são de cabeceira. “I’m Your Fan – Songs of Leonard Cohen” é um primor, um desfile de releituras tão perfeitas quanto as originais. House of Love, Nick Cave, REM, James e muito mais do melhor. Ouça Peter Astor com “Taking this Longing” e Pixies cantando “ I Can’t Forget”. Aliás, falando em Cohen, estes dias estava lendo uma artigo no The Guardian e descobri que “Hallelujah”, uma das canções de maior sucesso que o músico canadense emplacou, já teve mais de 300 versões cantadas por outros artistas. Ela já caiu até nas mãos do Bon Jovi , imagine.
Já “Pretending to See the Future: A Tribute to OMD”, é uma seleção mais alternativa, com bandas de Indie Rock pouco conhecidas. O álbum foi lançado pela gravadora Shelflife, em 2001. As versões do Acid House Kings para “Almost” e “Souvenir“ feita pelo Brittle Stars já valem o disco.
E também há um projeto chamado “ Undercover – A. V. – 25 bands, 25 covers.” Os caras entram no estúdio e se viram com o que há disponível. Como diz o paulistano – “Simples, mas honesto”. Deixo aqui mais cinco músicas para minha lista ficar com dez preferidas, esperando que o texto de hoje não termine com a nossa amizade que, creio eu, vai indo bem até agora. E a sua lista? Diz pra mim!
- Patti Smith – “Soul Kitchen” (The Doors)
- Rufus Wainwright – “Across the Universe” (The Beatles)
- Ride – “The Model” (Kraftwerk)
- Galaxie 500 – “Ceremony” (Joy Division/New Order)
- Nine Inch Nails – “I’m Afraid Of Americans” (David Bowie)
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