Em julho de 1972, Gilberto Gil lançou um de seus mais conhecidos trabalhos, o álbum Expresso 2222. Seis meses antes, em janeiro, Gil retornava para o Brasil após um período de exílio em Londres. Em 1969, ele e seu eterno parceiro musical nas peripécias tropicalistas, Caetano Veloso, foram presos acusados de subversão pelo regime militar.
O local escolhido para se exilar foi a efervescente Inglaterra da virada da década de 1960 para a de 70. Por lá, o músico baiano entrou em contato com diversos elementos da cena de rock e psicodelismo da terra da rainha (de Beatles a Jimi Hendrix) que foram devidamente incorporados em seus trabalhos lançados aqui no Brasil posteriormente.
O primeiro deles foi Gilberto Gil, quarto álbum de estúdio do cantor e o terceiro a ser batizado de forma homônima. Gravado no Chapel’s Studio, na própria capital britânica, o disco é inteiramente cantado em língua inglesa e apresenta um Gil bastante folk e experimental. Faixas como “Volkswagen Blues”, um blues com toques psicodélicos de voz e violão, e a eletrificada e animada “Crazy Pop Rock”, composição feita por Gil em parceria com Jorge Mautner, dão o tom do trabalho lançado em 1971.
No entanto, foi com o disco seguinte, Expresso 2222, que Gilberto Gil alcançou enorme sucesso e reconhecimento, ao mesclar com maestria a raiz musical nordestina e o rock’n’roll. No álbum, Gil regrava em arranjos modernos e mais experimentais canções tradicionais da cultura brasileira e apresenta novas faixas, que reafirmam suas qualidades como compositor.
No álbum, Gil regrava em arranjos modernos e mais experimentais canções tradicionais da cultura brasileira e apresenta novas faixas, que reafirmam suas qualidades como compositor.
Tudo isso num verdadeiro hibridismo musical dialogando passado com presente; baião com rock; tradicionalismo e experimentação. Puxando seus cabelos, nervoso, saudosista com a brasilidade e querendo ouvir Celly Campelo, a voz do cantor baiano ecoa seus desesperos do exílio: “Naquela falta de juízo/ Que eu não tinha nenhuma razão pra curtir/ Naquela ausência de calor, de cor/ De sal, de sol, de coração pra sentir”, como diz a letra de “Back in Bahia”, grande sucesso presente no disco.
A abertura do álbum se dá com “Pipoca Moderna”, composição de Caetano, sendo executada por nada menos que a banda de pífanos de Caruaru. O tradicional grupo pernambucano presente logo na primeira faixa do disco escancara a volta às raízes brasileiras de Gilberto Gil.
Diálogo com o tradicionalismo igualmente perceptível com a clássica “Chiclete com Banana”, sucesso de Jackson do Pandeiro feito por Gordurinha e que Gil deu uma nova roupagem, à la samba-rock de Jorge Ben, mas sem deixar de lado a brasilidade: “Eu só boto bebop no meu samba/ Quando Tio Sam tocar um Tamborim/ Quando ele pegar no pandeiro e na zabumba/ Quando ele aprender que o samba não é rumba/ Aí eu vou misturar Miami com Copacabana/ Chiclete eu misturo com banana”.
Na regravação de “Canto da Ema”, Gil transforma a composição de João do Valle em um rock dançante moderno com toques de baião. Os amigos de sempre, Caetano e Gal Costa, se juntam a Gil e cantam, respectivamente, “Sai do Sereno”, forró de Onildo Almeida, devidamente relido com riffs de guitarra e solos de bateria , e “Cada Macaco no seu Galho”, composição do tradicionalista baiano Riachão, que funciona como um ode à “Boa Terra”, da qual Gil ficou distante e tinha tanta saudade.
Na faixa-título, Gilberto Gil canta sobre o futuro “pra depois do ano 2000”, com um violão marcado e o triângulo dando o tom do otimismo futurista a partir da metáfora com a linha de trem que se embrenhava nordeste brasileiro adentro rumo à Salvador. Em “O Sonho Acabou”, o compositor baiano aproveita para despertar sua geração dos devaneios da utopia sessentista e alfineta os companheiros que “dormiram no sleeping-bag” e preferiram o comodismo ao ativismo nos anos de maior repressão militar: “Foi pesado o sono pra quem não sonhou”, canta. Buscando o reconforto espiritual e carregado de misticismo, o disco conta ainda com faixas compostas pelo próprio Gil, que dialogam com essas temáticas, como “Oriente”, “Vamos Passear no Astral” e “Está na Cara Está na Cura”.
Após este disco, Gil apostou no lançamento da ousada trilogia Refazenda, Refavela e Refestança, ainda na década de 1970. Flertando novamente com as raízes nordestinas e inovando com as influências da música africana, estes trabalhos reforçam as qualidades artísticas de um dos mais completos nomes da nossa música, que teve no período Expresso 2222 como um divisor de águas em sua carreira. Com ele, Gilberto Gil fez sucesso e cravou seu nome na MPB, reafirmando, de certa forma, sua independência do movimento Tropicalista e mostrando ser capaz de fazer música com identidade própria, ousadia e tradicionalismo mesclados na medida certa.
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