Passar a virada do ano em casa não costuma ser das experiências mais agradáveis. Não bastam os churrascos espalhados por todos os quintais num raio de 10 km, insistentes nas músicas altas em caixas de som ruins, ainda somos reféns de programações natalinas tão repetidas quanto os pacotinhos do álbum da Copa do Mundo.
Eu, mais uma vez, estaria largado no sofá, vestido de branco, apenas esperando a virada. Foi então que alguns canais da TV a cabo me impressionaram, musicalmente falando.
Qual não foi surpresa quando passei por shows de Mötorhead (muito devido à morte do Lemmy, claro), Dire Straits, Rolling Stones e Bon Jovi; para ficar ainda melhor, um bom especial Guitar Session com Deryck Whibley e o Sum 41, e um debate muito bom a respeito do futuro da música e das bandas com as novas plataformas – que prometo trazer mais adiante.
Foi então que os cômodos da minha casa foram tomados por um áudio peculiar, que vinha de um dos meus vizinhos: uma trilha sonora invasiva, composta por pagodes clássicos dos anos 90.
Aquela situação coincidiu com um tweet que li esses dias, que dizia algo como “o ruim de ser roqueiro é que, se você quiser ouvir um pagodinho, já dizem que você traiu o movimento”. Eu, que acabara de ver o último minuto do show do Bon Jovi, fui dormir cantarolando Molejo, Só Pra Contrariar e Katinguelê.
O ruim de ser roqueiro é que, se você quiser ouvir um pagodinho, já dizem que você traiu o movimento.
O mais incrível disso tudo talvez não seja a traição ao movimento, como na piada do Twitter: mas o mais impressionante é ver que, além daquela cena das músicas, muito da internet hoje é tomada por um saudosismo das pessoas, que ainda sabem as letras de cor e salteado de hits como “Caçamba”, “Inaraí” e “A Barata”.
A geração de 25 a 30 anos dos tempos atuais eram crianças e adolescentes na época em que essas músicas eram uma hegemonia nas estações de rádio, o que faz, entre a zoeira e o papo hipster de boteco, o pagode dos anos 90 se tornar um movimento quase cult e vanguardista de uma década já nem tão passada.
Mas o que difere o pagode daquela década de 1990 do atual, sem levarmos em consideração apenas o aspecto romantizado em que essa geração elevou pela nostalgia? Uma matéria já nem tão recente d’O Globo, de 2011, tratou do assunto caracterizando o pagode dos anos 90 como um ritmo composto por um vocal anasalado e um teclado Yamaha DX7 metido a violino, com algumas dancinhas.
A bem da verdade, o que é considerado pagode hoje, tanto como pertencente ao gênero em si quanto aos sucessores daqueles grupos, tratam de temáticas tão parecidas, com um ritmo mais homogêneo e que dá poucas brechas. A musicalidade não é ruim, mas sente-se falta de algo que aquele ritmo nos oferecia em doses homeopáticas, faixa a faixa.
É possível hoje que até quem não conheça Raça Negra ou Só Pra Contrariar, acabe num show dançando e cantando as músicas, tanto quanto se perderia de tanta diversão num show do Molejo, que brinca com o rótulo de Pagode Universitário em seu logotipo.
Isso não acontece tanto nas músicas de hoje, que se tornam conhecidas apenas pelos fiéis ao público. Claro que muito disso se deve à oferta de música hoje, em que podemos ouvir o que quisermos a hora que quisermos, mas isso já mostra o quanto a afinidade com o gênero se leva mais hoje pelo modo de vida do que por condução comportamental.
Enquanto isso, eu continuava ouvindo aquela música que marcou minha infância, tanto nas festas de família quanto no rádio do carro do meu pai. A nostalgia era tão inevitável quanto à entrega ao batuque.
Lembrei-me de todas as piadas, textos e críticas a respeito daqueles grupos, com um carinho infantil tão grande, que é seguro dizer que aquela corrente é hoje considerada cult por grande parte das pessoas, justamente por ser a maneira mais eufêmica de se declarar fã de um gênero que pode ter gerado saturação e certo descontentamento na época pelo excesso, mas que hoje faz com que até o grupinho mais gótico largue as sombras de lado por um minuto, apenas para cantar que aonde você vai, eles vão varrendo.
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