Nos anos 80, o blues era nada. Ou quase nada. Em meio a decadência do rock’n’roll, a popularização da dance music, o estrondoso sucesso do pop e a exploração cada vez maior de ritmos eletrônicos, o gênero de raiz negra norte-americana estava em baixa. Seus principais mestres e gurus – nomes do quilate de Howlin Wolf, Muddy Waters, Albert King, ou até mesmo Chuck Berry – estavam envelhecidos. Após um relativo ressurgimento destes bluesmen nas décadas de 1960 e 70, por conta da reverência prestada por quem fazia sucesso na época – gente como Keith Richards, Eric Clapton, Jimmy Page, Jeff Beck e Jimi Hendrix -, a chegada dos anos 80 fez do cenário musical um terreno nada fértil para o blues.
De quebra, alguns desses nomes responsáveis pelo “revival” do gênero nos anos anteriores já não eram mais tão associados ao ritmo. Os Stones, imersos no auge das rixas entre Jagger e Richards, estavam modificando o som da banda e incorporando novos elementos, por vezes distantes da raiz blueszêra. O Led Zeppelin acabara com a morte de John Bonham em 1980. O Cream teve existência efêmera e seu principal símbolo, Eric Clapton, devastado pelo abuso de álcool e cocaína, cambaleava em sua carreira pós-power trio.
Neste contexto, um jovem texano branco iria sacudir o mainstream ao trazer de volta um som de blues vigoroso e enérgico. Seu nome: Stevie Ray Vaughan, que, ao lado de sua Double Trouble, implodiu na cena musical oitentista com o majestoso Texas Flood (1983). Apadrinhado por ninguém menos do que Albert King, Stevie foi o responsável pelo mundo da música redescobrir o blues. Mas não foi só isso. Sua música não se tratava de um blues cinquentista feito nos anos 80. SVR foi capaz de repaginar o ritmo e acrescentar uma agressividade bastante característica no modo de tocar guitarra ao estilo padrão e lamentoso da levada clássica de blues. Seus trabalhos conseguiram imprimir doses consideráveis de originalidade a um gênero quase irretocável em sua essência.
As virtuosas apresentações dele e sua banda fizeram qualquer fã se deliciar novamente com o som do gênero que vivera seu auge décadas antes. Seja regravando canções consagradas, ou performando composições próprias, o blues foi arrebatado pela contagiante intensidade de SVR, que se tornou o principal (senão o único) nome do ritmo na época e, muito provavelmente, seu último grande expoente.
O debute de Stevie na música aconteceu ainda nos anos 70, quando integrava um grupo ao lado de seu irmão mais velho, Jimmy Vaughan. A habilidade com a guitarra chamou a atenção de artistas consagrados, como David Bowie, que o convidou para uma participação em seu icônico Let’s Dance, de 1983. No mesmo ano e já ao lado da formação da Double Trouble (Tommy Shannon no baixo, Chris Layton na bateria – o tecladista Reese Wynans só seria integrado ao conjunto anos depois), o ótimo Texas Flood foi lançado.
As virtuosas apresentações de Stevie Ray Vaughan e sua banda fizeram qualquer fã se deliciar novamente com o som do gênero que vivera seu auge décadas antes.
O álbum é de uma perfeição tremenda e acerta do início ao fim. Tudo o que fazia falta na época está lá: o tom classicista de faixas como “Pride and Joy”, “Love Struck Baby” e “Mary Had a Little Lamb”; o sad-blues lamentoso de “Texas Flood” e “Lenny” ou a fritação e o improviso de “Rude Mood”. Considerado um dos marcos da música nos anos 80, o disco foi listado pela revista Rolling Stone como um dos 500 melhores da história.
Os lançamentos seguintes mantiveram o nome de SRV nos louros do sucesso e, ao lado da Double Trouble, foi figura recorrente em festivais de blues e jazz pelo mundo, além de, evidentemente, emplacar bem sucedidas turnês. Couldn’t Stand the Weather (1984) e Soul to Soul (1985), se não alcançaram o mesmo reconhecimento do disco de estreia, ainda são trabalhos bem acabados e que deram um respiro de blues aos fãs do gênero, quase órfãos nos anos anteriores.
A vida desvairada e inconsequente de rockstar também fez parte da trajetória de Stevie Ray Vaughan. Conhecido pelo abuso de álcool e drogas, o uso das substâncias chegou a prejudicar sua carreira entre 1986 e 1988, quando o guitarrista não lançou nenhum trabalho em estúdio e diminuiu o ritmo das turnês. Após o restabelecimento da rotina como músico, o texano causou novamente frisson nos amantes da boa música com o lançamento de In Step (1989), álbum definitivo de sua carreira e constantemente associado à sua volta à sobriedade.
O trabalho de pouco mais de 40 minutos trouxe hits que consagraram ainda mais seu nome, como “Tightrope”, “Wall of Denial”, a chorosa “Riviera Paradise” e as animadas “Scratch N Sniff” e “Love me Darlin”. Quis o destino, porém, que este fosse o derradeiro lançamento de sua carreira ao lado da Double Trouble. Dramática (como um blues antigo), a vida de Stevie Ray Vaughan acabou precocemente em um acidente de helicóptero em 1990. Aquele que foi o responsável pela renascimento do blues, morreu de maneira trágica no exato momento em que sua carreira se reerguia.
Vale mencionar que, antes do acidente, ele ainda retomou a parceria com o irmão, Jimmy, com o álbum Family Style (1990) trazendo novamente o que melhor sabia fazer: blues-rock com autoridade e originalidade. Em reconhecimento aos serviços prestados ao blues e à música, e após receber a alcunha de “último guitar-hero’ da história”, em 2015, Stevie foi introduzido ao Hall da Fama do Rock’n’Roll. A cerimônia contou com uma bonita homenagem de um de seus mais conhecidos discípulos, John Mayer. Para os amantes do blues, fica a saudade de um dos mais virtuosos representantes do ritmo.