De todas as tempestades que nos encharcam os dias, as piores são aquelas que nos acometem a alma. Vez ou outra, quase que sem querer, a vida nos surpreende com uma procela que nos tira completamente o rumo e a esperança. Lemes e ossos são quebrados, as velas são rasgadas por monções que silvam de desespero e ansiedade, o eterno redemoinho nos paralisa os sentidos e, então, quando parecemos desistir diante da atordoante borrasca, o mar cotidiano nos devolve novamente à ignóbil calmaria de uma rotina amordaçada. Contra essa rotina não existe saída. Ela nos é imposta e, meio a contra gosto, vamos lidando com as impossibilidades do existir. A pulsão da vida ainda nos move nessa eterna batalha entre Eros e Tânatos da qual, no fim das contas, todos nós sairemos derrotados.
Entregar-se à cibernética maré de nosso tempo é desnudar-se diante de uma singela plateia desconhecida, por isso, passada a tormenta inicial, é precioso voltar os olhos a uma bússola interna para reinventar os caminhos a serem desbravados. Escrever nos dias atuais é tomar partido diante do mundo, sem meias palavras. É dinamitar o muro da isenção e afrontar o bom-mocismo artístico submisso e ingênuo. Por isso, e mando nessa hora às favas a modéstia, creio que esse desgovernado barco bêbado virtual age, assim como tantos outros espaços da rede, de maneira heroica diante de um mundo violento. Mesmo submerso por águas bravas e afogados pela truculência e estupidez humanas, sabemos que no palco ou nesse humilde reduto é preciso resistir.
Se o teatro é um lugar de resistência, fica de tudo isso a certeza de que é preciso resistir sorrindo.
O teatro, assim como tantas outras artes, sempre me pareceu uma forma de rebelião contra o tal establishment. Uma batalha inglória contra a mercantilização do espírito e a comercialização de nossos desejos. Uma ofensiva a favor dos sonhos e do amor. Uma luta contínua contra o mundo estabelecido que dilacera o encanto e a beleza de nossos dias. Sobram exemplos na história dessa arte de combate e luta contra opressores, por isso é preciso que os artistas não se intimidem em relação ao anunciado massacre à cultura liderado pelo conspirador vice-presidente da República.
Quando viver em paz já não é mais possível, resta-nos a discórdia. Por isso, é preciso que os artistas, como eu já disse por aqui, declarem posições. Acreditar nessa luta é acreditar no ofício maior do artista: libertar! Se o teatro é um lugar de resistência, fica de tudo isso a certeza de que é preciso resistir sorrindo.
Com um sorriso salgado pelas lágrimas de outrora, subimos novamente nessa embarcação pátria. Retomaremos o controle de nosso timão e de nosso destino com a certeza daqueles carregam no peito a coragem dos que não se submetem. O amanhã nos guardará sempre a possibilidade de recomeçar e, por mais que não pareça, ele sempre há de chegar.
Vamos em frente! Afinal, em certas ocasiões, tocar o barco é a única maneira de estar-se vivo.