A mais nova vítima do avanço do pensamento conservador é Billy e sua história de vida, que tem sido cantada e premiada há anos pelo mundo. A história de Billy Elliot é bonita, inspiradora e, descobrimos recentemente, perigosa. No filme, dirigido por Stephen Daldry, o garoto de 11 anos vive numa pequena cidade da Inglaterra, onde a principal atividade é a extração de carvão. Seu pai e seu irmão mais velho trabalham nas minas, enquanto Billy passa a tomar aulas de balé escondido.
O adolescente heterossexual enfrenta o provincianismo de sua cidade e o preconceito de seus habitantes, principalmente de seus familiares, em busca do sonho de se tornar bailarino. O filme trata de maneira poética situações de homofobia e machismo quando toca na questão de que certas profissões ou atividades são próprias de apenas um sexo. Ao fim, contra tudo e todos, Billy realiza seu sonho e se sagra como um grande bailarino profissional. Dezoito anos depois, porém, o pequeno garoto volta a sofrer com o preconceito, dessa vez dos húngaros.
Billy Elliot é o primeiro longa-metragem do diretor Stephen Daldry. Para um estreante da sétima arte, o filme é um baita sucesso. Premiado em festivais mundo afora, o diretor viu sua obra ser indicada ao Oscar em três categorias e ao Globo de Ouro em duas. Nada mal para um estreante, certo? Mas o que poucos sabem é que Daldry é um incansável homem de teatro, com mais de 100 peças no currículo. Por isso, e é claro que por conta do sucesso estrondoso, o filme ganhou uma adaptação teatral em 2005, no formato de musical, com canções do gigante Elton John. Billy Elliot – The Musical viaja o mundo desde então, em diversas montagens diferentes, levando por aí a mensagem do pequeno garoto: “Dare to be yourself” ou, em livre tradução, “seja você mesmo”.
Pois bem. Para a jornalista húngara Zsofia N. Horvath, do jornal Magyar Idok, o premiado musical tem o intuito de corromper os jovens a fim de torná-los homossexuais. No dia 1º de Junho, antes da reestreia da produção, Zsofia soltou um artigo no jornal condenando o espetáculo e iniciando uma cruzada moralista para proibir a temporada de entrar em cartaz.
A mais nova vítima do avanço do pensamento conservador é Billy e sua história de vida, que tem sido cantada e premiada há anos pelo mundo. A história de Billy Elliot é bonita, inspiradora e, descobrimos recentemente, perigosa.
Segundo a jornalista, a encenação vai contra os objetivos do Estado Húngaro ao “usar um espetáculo feito para jovens ao redor dos 10 anos, que passam pela mais frágil idade, para fazer propaganda gay”. No artigo, ela ainda afirma que “promover a homossexualidade não pode ser um objetivo nacional numa situação em que nossa população já está envelhecendo e diminuindo, e a nossa nação é ameaçada por uma invasão estrangeira”.
O jornal para o qual escreve Zsofia é conhecido como um órgão de comunicação não-oficial do primeiro-ministro Viktor Orban’s, e tem por método o ataque desonesto e covarde contra qualquer figura ou instituição que se oponha às ideias do primeiro-ministro, dentre elas o combate aos imigrantes e, de maneira mais velada, aos homossexuais.
Apesar de manifestações contrárias ao artigo, e de uma réplica do diretor da State Opera da Hungria, Szilveszter Okovacs, em defesa das apresentações, a State Opera cancelou a temporada de Billy Elliot – The Musical alegando que o artigo e a defesa de suas ideias por parte da população e de outros veículos de comunicação fizeram com que a procura de ingressos caísse drasticamente. Apesar da justificativa é possível que a decisão seja política e não econômica, como publicou o New York Times. Além do impedimento de exercer sua profissão, os atores da montagem, todos húngaros, no caso de Budapeste, vieram a público dizer que têm sido atacados por participarem da encenação. Infelizmente, a violência desconhece limites quando aliada à estupidez.
Como dito no início do texto, o caso da censura húngara não é um caso isolado. No Brasil, por exemplo, o vereador Fernando Holiday, membro do MBL, iniciou uma cruzada semelhante contra exposições e performances artísticas. Na Russia de Putin, desde 2013, vigora a lei que pune a “propaganda gay”, o que fez com que o Itamaraty “sugerisse” aos brasileiros homossexuais que fossem à Copa que evitassem “manifestações de afeto”.
O absurdo é que a defesa desse tipo de pensamento esquece-se, por exemplo, de como a heterossexualidade é imposta e cobrada de todos, adultos e crianças, através da justificativa da “normalidade”. Mas, afinal, e a todo custo, o normal mesmo é ser livre e ponto. Livres para amar, para pensar e para viver em paz. A contragosto, vivemos tempos em que os que têm ódio têm a coragem, e a ousadia, de gritar horrores em praça pública, e os que se amam precisam trocar beijos e carícias embaixo dos panos; isso sem falar das crianças enjauladas de Trump ou dos mortos de todas as guerras santas. Mundo, mundo. Vasto e imundo, como dantes.
São tempos difíceis e desanimadores não só para os artistas, mas para todos os seres humanos. As máquinas velozes, como previu o poema “Carta aos Mortos”, impedem-nos de pensar e com apenas um clique endossamos e compartilhamos horrores em forma de notícias, opiniões e discursos. “Lacrando” aqui e ali, avançamos como zumbis para um precipício cibernético violento e irracional. Somos, sim, uma geração insolente, que acredita viver no ápice da história, e que, ruidosa, trocou o pensar pelo compartilhar.
Diante desse cenário de horror é preciso levar adiante histórias como a de Billy, que nos ensinam que, acima de tudo, é preciso acreditar no homem, resistir e, principalmente, sermos nós mesmos. Mesmo que isso nos custe quase tudo, afinal, como já disse, o normal mesmo é ser livre, e apenas isso.