O teatro convive com a falta de público. Embora seja esse um fato que, pode parecer, já não exige mais discussões, “por que é como é”, às vezes, a realidade parece um tanto menos “simples” e a brutalidade com que as situações se apresentam não permite com que as conclusões sejam tão fáceis. Tudo o que é, como se sabe, poderia ser de outro modo. Esse texto poderia ser sobre as peças Piquenique ou Eu Não Sou Cachorro, no entanto, algumas circunstâncias, especialmente as cadeiras vazias, fazem com que a temática seja outra (talvez os textos sobre as peças estejam aqui nas semanas seguintes).
No fim de semana em que, ao que consta, 60 mil pessoas foram as ruas de Curitiba para pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff, as imagens promovem um assustador contraste. “Onde estão as pessoas?” parece ser o questionamento de quem vê o teatro vazio. A desconfiança de que elas não existem é desmentida quando se vê a rua tomada por cores de uma bandeira que tem no centro o lema positivista. Na mesma rua que comporta o engarrafamento em outros dias. A rua de algum shopping center, sempre cheio. Estão aí, as pessoas. E, longe de ser um discurso que se empenha em culpar quem quer que seja por não fazer o que “gostaríamos”, esse parece ser um movimento que tenta, antes de responsabilizar, entender (ainda que pouco).
No sábado, dia 15 de agosto, o teatro do SESI Portão, recebeu, às 20h, 12 pessoas em um espaço com capacidade para, pelo menos, dez grupos com o mesmo número. No domingo, 16 de agosto, no miniauditorio do Teatro Guaira, em que podem se sentar 107 pessoas, às 21h, três espectadores estavam na plateia.
“‘Onde estão as pessoas?’ parece ser o questionamento de quem vê o teatro vazio.”
Diferentemente do que poderia se pensar em um primeiro momento, essas imagens não se referem a um suposto fracasso das produções. Pelo contrário, elas indicam uma fragilidade que não tem como único responsável o próprio teatro. É de uma super-estrutura que nós estamos falando, em especial porque não são todos os teatros que estão vazios. No dia 5 de agosto, por exemplo, o carioca Paulo Gustavo lotou duas sessões seguidas no Guairão e tornou o centro da cidade, na região da Praça Santos Andrade, um só estacionamento em que, durante as entradas e saídas do teatro, uma multidão tentava se deslocar.
Se é desonesto comparar a projeção que tem o espetáculo de um ator que além de teatro faz televisão, cinema e publicidade no eixo Rio-São Paulo com produções locais, é também desonesto colocar em cheque a efetividade de uma manifestação e, muito pior, a existência dela, a partir de grandes produções. As grandes produções dificilmente morrem (por um aparato que é grande demais para explanar aqui), mas o teatro local sim – ainda que os artistas resistam (porque há inúmeros casos e possibilidades de quem encontre formas de criação distantes desse panorama), um cenário cultural não existe sem políticas públicas efetivas e reais (leia o último caso aqui).
Voltando ao fim de semana em questão, as duas peças desconstroem, de alguma maneira, discursos recorrentes que parecem afastar o teatro: a acessibilidade é um deles. Aqui, ela surge como exercício em diferentes esferas. Os trabalhos tinham os ingressos custando R$15 e R$30, na peça Eu Não Sou Cachorro e eram gratuitos, no caso de Piquenique. Ainda que o teatro do SESI Portão possa ser considerado “distante” do centro, o mesmo não se pode dizer do auditório Glauco Flores de Sá Brito, que faz parte do Centro Cultural Teatro Guaíra (quase impossível de ser mais central). A erudição, um dos argumentos que, às vezes, atestam a inacessibilidade, também não se fez presente com as montagens carregadas de referenciais comuns e contrários a um “universo distante”.
No final de Eu Não Sou Cachorro, o ator Moa Leal, depois de agradecer ao público falou algo como “E agora, vamos para a Igreja”. A ironia, o possível deboche, não é sem sentido. Em março deste ano o jornal Gazeta do Povo publicou uma pesquisa (leia aqui) que revela as atividades favoritas do curitibano. “Ficar em casa”, seguido de “ir a igrejas” são os tópicos preferidos e, no que se refere a “programas culturais”, fica em primeiro lugar a categoria “ver filme e série de TV”. Assim como a pesquisa realizada pela Fecomércio, que mapeou os hábitos culturais do brasileiro, divulgada em uma matéria da GloboNews (da qual a jornalista Maura Martins fez uma análise aqui), também indica o quanto o teatro não é o formato favorito.
São inúmeros os autores que falam sobre mídia, o consumo e a recepção dos mais variados materiais e produtos. É uma vasta discussão que se relaciona desde processos cognitivos e até questões de uma subjetividade, às vezes, difícil de caracterizar. Se a teoria nos dá suporte e nos faz ver uma porção de coisas, a impressão é de que não há nenhuma colocação que supra a sensação das poltronas vazias – mas ninguém é tão vítima assim, é o papel de herói que cabe muito melhor. A revolução não será televisionada, já disseram. E talvez alguns não estejam lá para ver.
*Também nesse fim de semana, a polícia do Paraná promoveu um incrível espetáculo ao prender um palhaço em Cascavel (leia aqui).