Chama muito a atenção a imagem de divulgação do solo Para não morrer, conforme pode ser vista nesta página. Essa imagem é o cenário-personagem que o espectador verá durante a uma hora da peça, que está em cartaz até 4 de junho no novo espaço da Ave Lola (aproveite para conhecer).
O tempo de duração se faz curto para absorver tudo que aquela figura sugere ou transmite em sua poesia visual. Também não é fácil contemplá-la. Quase não a enxergamos, devido à torrente de narrativas trazidas pela mulher-árvore ali enterrada. É preciso afinar a escuta e fazer-se mesmo só ouvidos.
A personagem se mostra idosa, fruto de grande preparo certamente doloroso por que passou a atriz. Com habilidade, ela mantém todo o tempo a boca, mãos e pés entortados, como se o universo já houvesse tentado de tudo para abatê-la, sobrando a voz. É preciso destacar a verdade trazida por tal atuação, visto que mais de uma pessoa na plateia acaba se compadecendo da atriz, jurando que fora vítima de um derrame capaz de deformá-la assim.
O tempo de duração se faz curto para absorver tudo que aquela figura sugere ou transmite em sua poesia visual.
Esse corpo transformado está sobre uma poltrona ladeada por várias mesas, sobre a qual corre um pano cru manchado de vermelho. Garrafas de água, copos.
A estética proposta, uma criação de Nena Inoue em parceria com a artista Babaya e cenário de Ruy Almeida, favorece o enfoque nas micro-histórias trazidas pelo relato da personagem. Ela evoca mulheres latino-americanas, tais como aquelas do livro Mulheres, de Eduardo Galeano. A dramaturgia partiu daí, a cargo de Francisco Mallmann – anterior titular deste espaço de críticas n’A Escotilha!
Ouvimos sobre a visita de uma garotinha ao pai na prisão. Uma guerrilheira indígena enviada para execução. Mulheres que pavimentaram o caminho para seus homens fazerem a revolução mexicana, sem, contudo, serem consideradas heroínas.
Logo de cara, a personagem se compara a Sherazade, narradora das Mil e uma Noites, que sobrevive graças à habilidade em contar histórias, suprimindo o necessário para gerar suspense para a noite seguinte. Assim como ela, a centenária precisa falar para não morrer, já que houve gente finada por não gritar.
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Aqui, a poesia da cena se confronta com a palavra crua, pedagógica, que avisa e explica. Talvez necessária no momento em que vivemos, em que vozes femininas se erguem e, para quem achava que essa militância não era mais necessária, surpresa! Muita reação contrária.
Num mundo ideal, não seria necessário isolar essas vozes de mulheres: todo discurso andaria lado a lado, independente do gênero, como livros abertos que se consultam mutuamente.
Por hora, como diria minha vó, Otávia, ao introduzir uma nova narrativa do cotidiano: só escute.
SERVIÇO | ‘Para não morrer’
Onde: Ave Lola Espaço de Criação | R. Mal. Deodoro, 1227;
Quando: Até 04/06, de quinta a sábado, às 20h, e domingo, às 18h;
Quanto: Pague quanto vale – espectador decide o valor do ingresso;
Duração: 1h.
FICHA TÉCNICA
Idealizadora e Atriz – Nena Inoue
Parceria de Direção – Babaya Morais
Dramaturgia – Francisco Mallmann (a partir da obra de Eduardo Galeano)
Iluminação – Beto Bruel
Criação de Figurinos/Adereços – Carmen Jorge
Cenário – Ruy Almeida
Design de Som/Trilha Original – Jo Mistinguett
Vídeos teaser – Alan Raffo
Fotografia – Marcelo Almeida
Operação de Luz – Vinícius Sant
Assessoria de Imprensa – Larissa de Lima
Produção – Nena Inoue
Incentivo (montagem e estreia) – Lei Municipal de Incentivo a Cultura / VOLVO / EBANX
Apoio – Ave Lola Espaço de Criação, Gabriel Machado
Realização – Espaço Cênico