Já pontuei, em outros textos desta coluna, o quanto nós, brasileiros, gostamos de um programa estilo competição de calouros. Na verdade, esta é uma tradição que vem desde os tempos do rádio, num formato que foi “herdado” pela TV, e explorado por ela com características bem peculiares.
O mais curioso, me parece, é que se trata de um formato extremamente simples: basta apenas recrutar algumas pessoas dispostas a colocar seus talentos (geralmente para a música) à prova; algumas histórias tristes, que serão obviamente contadas com lágrimas nos olhos; um apresentador carismático, capaz de gerar engajamento; alguns jurados com papéis marcados (uns mais técnicos, outros mais acolhedores, e ainda outros que tendem a ser engraçados), e, voilà!, já temos mais um programa de calouros.
São tantos os programas que já tivemos (que vão desde atrações “raiz”, como o Show de Calouros do SBT, a franquias mundiais como The Voice e American Idol) que é difícil encontrar alguma novidade no formato. Nesta seara, a Record lançou mais um para leva: o Canta Comigo, apresentado por Gugu Liberato, causa uma diversão inesperada dentro de um estilo tão batido.
O programa gera uma tensão interessante a quem assiste, pois cada candidato concorre diretamente com o próximo que virá.
Não que haja exatamente originalidade em Canta Comigo. O programa, na verdade, é uma versão brasileira do britânico All Together Now, da BBC, comprado e adaptado para a Record. A ideia de seu formato é que os concorrentes sejam julgados não por alguns poucos jurados que farão comentários técnicos, mas por um júri composto por cem pessoas numa espécie de paredão brilhante que muda de cor. O desafio colocado aos cantores é o de fazer com que um maior número de pessoas levante para dançar enquanto eles se apresentam.
Ou seja, talvez a novidade de Canta Comigo seja a extrema franqueza de sua proposta: não é uma competição que visa reconhecer a melhor voz, nem descobrir a próxima estrela da música, mas simplesmente ver quem “comove” mais gente. É algo que todos já sabíamos – que a qualidade vocal, muitas vezes, é um fator menor nesses programas –, mas que aqui é postulado com máxima transparência. Não por acaso, ao ser entrevistado por Gugu sobre a performance de uma das candidatas, um dos jurados explicitou: “eu já quis votar em você antes de você começar a cantar”.
Faz todo sentido – afinal, o programa de calouros é um formato que privilegia a construção de narrativas, que quer comover a todo custo, e geralmente a partir de uma história triste. Elas, aliás, não faltam em Canta Comigo: todos os candidatos até agora expuseram algum drama, que vão desde a comoção de cantar na frente da mãe até o de contar à plateia sobre a perda dos cabelos (a candidata, que usava um turbante, obviamente o retirou durante a performance, numa espécie de catarse coletiva).
No fim, o programa gera uma tensão interessante a quem assiste, pois cada candidato concorre diretamente com o próximo que virá. Como o objetivo é levantar o maior número de pessoas, o competidor pode perder a vaga já para o candidato seguinte (a única exceção se dá nas raras vezes em que o concorrente consegue fazer com que todos os jurados se levantem, garantido uma vaga para a final do programa).
Ou seja, os critérios são totalmente vagos, e as seletivas se dão nas mãos de um corpo de jurados que é uma atração à parte. Os cem membros envolvem cantores desconhecidos e alguns poucos conhecidos, ex-participantes de reality shows da Record, preparadores vocais, dançarinos, uma drag queen (causando uma agradável surpresa por sua presença na emissora evangélica), e pessoas que estão ali apenas pela bizarrice (como dois covers dos cantores Ozzy Osbourne e Elvis Presley). Aparentemente, haverá sempre um convidado especial reconhecido por seu talento vocal para dar seus pitacos – no último episódio, foi o cantor Cesar Menotti, da dupla Cesar Menotti e Fabiano.
A impressão que dá é que, na maior parte das vezes, o que acaba sendo avaliado é a música escolhida, e menos o cantor, pois é comum ouvir os jurados comemorarem quando uma música de sua preferência é escolhida. Mas pouco importa, pois a sensação de estar sendo convocado para cantar junto com cem pessoas, como se estivesse realmente em um show, já consegue ser envolvente o suficiente para que o espectador não queira mudar o canal.
Destaca-se ainda o efeito bonito de ver o painel acender aos poucos, e a participação contida de Gugu Liberato – que é visivelmente carismático, mas evita empregar um tom meio forçado e algo popularesco que costuma utilizar em alguns dos programas que apresentou. Com tudo isto, Canta Comigo se revela uma atração bem despretensiosa – e, por isso mesmo, divertidíssima.