Eventualmente, os catálogos de streaming guardam algumas pequenas pérolas de produções menores, menos superlativas, mas que se mostram surpresas encantadoras. Uma dessas, sem dúvida, é O Faz Nada, da Star+, série argentina de cinco episódios que consegue envolver e fazer rir, mesmo não tendo – como o próprio nome sugere – um grande tema.
Basicamente, O Faz Nada nos apresenta a vida de um personagem, o prestigiado crítico gastronômico Manuel Tamayo Prats (Luis Brandoni), que angariou fama dentro do seu nicho e atravessou as décadas vivendo uma vida de dândi. Agora, na casa dos 80 anos, ele ainda reside num casarão gigantesco em Buenos Aires, ao lado de uma empregada também octogenária, Celsa (vivida por María Rosa Fugazot), que comanda toda a sua rotina, como se ele fosse um bebê, ou então um milionário.
Ocorre que Manuel está à beira da falência, mas parece recusar-se a reconhecer esse fato. Ele vai tocando a sua vida como dá, almoçando e jantando como um príncipe, e tentando vender alguns bens para amigos para poder manter seu estilo de vida sem grandes mudanças. Contudo, mal sabe ele que tudo está prestes a mudar quando sua preciosa assistente falece abruptamente.
Um anti-herói da cozinha
Em tempos de grandes produções televisivas, repletas de investimentos magnânimos, uma série centrada apenas em um personagem e uma refinada direção de arte é uma espécie de alívio aos olhos e à mente.
Em tempos de grandes produções televisivas, repletas de investimentos magnânimos, uma série centrada apenas em um personagem e uma refinada direção de arte é uma espécie de alívio aos olhos e à mente. O Faz Nada é uma criação de Mariano Cohn e Gastón Duprat (diretores do longa O cidadão ilustre, de 2016), e consegue explorar a figura de Manuel, que serviria bem ao papel de um “anti-herói” gastronômico.
Arrogante e petulante, ele tem tudo para atrair a simpatia do público justamente por sua aspereza doce no trato. Sujeito inadequado ao seu tempo, e que também se recusa a se atualizar, ele não usa celular, não controla o dinheiro e nem dirige. Mesmo sendo um grande crítico, ele ensina tudo o que sabe para Celsa, que também tem a tarefa de fazer a comida no nível de exigência do patrão.
Ainda assim, Manuel tem carisma, o que fica claro pelos tantos amigos que tentam ajudá-lo. Dentre eles, está sua ex-namorada, Grace (Silvia Kutika) e o marchand Ignacio (Enrique Piñeyro). Mas há também uma estrela: o escritor de renome internacional Vincent – vivido por ninguém menos que Robert De Niro, que também é o narrador que apresenta todos os episódios. De Niro e Luis Brandoni, aliás, são amigos na vida real.
Essa espécie de choque entre a narração de Vincent e a vida latino-americana de Manuel está entre as graças de O Faz Nada. Ao início de cada episódio, ele conta um pouco sobre a sua relação pregressa com o crítico, enquanto tece considerações acerca de expressões linguísticas da Argentina (explicando, por exemplo, por que boludo – termo que faz referência a testículos – é menos ofensivo que pelotudo).
Ainda que tenha essa participação mais do que especial, trazendo um verniz cult à série, o fato é que os melhores momentos estão focados nas tiradas mal-humoradas de Manuel. Quando, por exemplo, ele rompe para sempre com um grande amigo durante um jantar, ou nos vários pitis que o acometem quando algum tipo de conhecimento tecnológico é requisitado a ele. Para quem faz parte dos grupos que não cresceram com internet, é impossível não se identificar.
E para completar a experiência, vale dizer que O Faz Tudo também agrada ao proporcionar um passeio pelas ruas da Argentina, com foco sobretudo na gastronomia portenha. É de se deliciar com os olhos.
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