Fabio Massari, mais do que um jornalista, é um ícone da cultura alternativa no Brasil. Seus 60 anos não poderiam ser celebrados de outra forma senão com a união de três bandas que representam a pluralidade de sua curadoria musical ao longo das décadas: Acid Mothers Temple, Devotos e Patife Band. A Massarifest, que aconteceu na última sexta-feira no Espaço Fabrique, em São Paulo, foi uma imersão sonora e visual, à altura de sua história.
Em uma época em que a música muitas vezes parece enlatada e pré-programada, as três bandas trouxeram a incerteza, o improviso e a energia bruta de volta ao centro do palco. Acid Mothers Temple, Devotos e Patife Band não poderiam ser mais diferentes entre si, mas é exatamente essa diversidade que fez a noite especial.
Para quem estava lá, o Massarifest não foi apenas uma homenagem ao aniversariante, mas uma reafirmação de que a música, em todas as suas formas mais radicais, ainda pode ser uma experiência transcendental. O público saiu do Fabrique não apenas com os ouvidos zunindo, mas com o sentimento de ter testemunhado algo verdadeiramente único.
Devotos: o punk visceral que pulsa nas veias do Recife
Primeiros a subirem ao palco, em claro contraste com a complexidade psicodélica dos japoneses, os pernambucanos do Devotos trouxeram uma energia crua e direta. Com mais de três décadas de estrada, Cannibal e sua gangue transformaram o Fabrique Club em uma arena punk onde cada riff ecoava as lutas de resistência da periferia brasileira. Seu som, que combina hardcore, punk e elementos de metal, é um grito de guerra contra o sistema, ao qual parte do público não respondeu à altura.
Buscando interagir de forma intensa com o público, Cannibal mostrou o mesmo ímpeto quase espiritual que imprime nas apresentações do trio, tentando repetidas vezes criar uma atmosfera de irmandade que só se vê em shows de bandas que, como o Devotos, respiram a luta cotidiana do povo.
Os Devotos canalizaram o som de forma direta, como um soco no estômago. E isso é exatamente o que o punk representa: a expressão bruta, sem filtros, da realidade ao redor. A performance deles no Massarifest foi um lembrete de que o punk brasileiro está vivo e mais relevante do que nunca.
Patife Band: o experimentalismo brutal de Paulo Barnabé
Para quem estava lá, o Massarifest não foi apenas uma homenagem ao aniversariante, mas uma reafirmação de que a música, em todas as suas formas mais radicais, ainda pode ser uma experiência transcendental.
Responsável pelo meio de campo entre a crueza dos Devots e a desconstrução psicodélica do Acid Mothers Temple, a Patife Band trouxe o caos controlado e desconcertante de seu som experimental. Paulo Barnabé, um dos nomes mais inovadores da música brasileira, liderou o grupo em uma performance que misturou o pós-punk com influências de vanguarda, criando um som que é tão desconfortável quanto cativante.
A percussão é, como sempre, a espinha dorsal da banda. Barnabé, com seu carisma enigmático, deu vida a canções como “Tô Tenso” e “Pregador Maldito”, clássicos do repertório da Patife Band, com uma energia que parecia carregar décadas de frustração e inquietação artística. O que a banda faz não é apenas música; é uma performance que explode as convenções, desafiando o público a se envolver de maneira ativa.
Se Devotos trouxe a força do punk, a Patife Band foi a síntese caótica e brutal da noite. O som deles não é fácil de digerir, mas é absolutamente necessário para qualquer um que busque mais do que entretenimento na música ao vivo.
Acid Mothers Temple: um tornado psicodélico
Em contraste com a crueza dos Devotos e a experimentação da Patife Band, os japoneses da Acid Mothers Temple encerraram o Massarifest com uma tempestade sônica complexa, alta e ruidosa. A banda, que encarna o espírito livre do rock psicodélico, entregou um show de improviso visceral e extático, que desafia qualquer expectativa pré-concebida sobre o gênero. Não há como catalogar as camadas de ruído, distorção e improviso que eles constroem e destroem a cada minuto.
Makoto Kawabata, o cérebro por trás dessa nave sonora, regeu sua guitarra como um condutor louco, levando a plateia a uma viagem que oscilava entre o transcendental e o brutalmente terreno. A sessão rítmica, densa e pulsante, moldava o caos com uma precisão quase alienígena. O público, envolto em camadas de efeitos e texturas cósmicas, se deixou levar, como se o Espaço Fabrique tivesse sido temporariamente suspenso no tempo e no espaço.
O Acid Mothers Temple não é uma banda fácil de ouvir, muito menos de ver ao vivo, mas essa complexidade se torna o núcleo de sua atratividade. Eles instigam, desafiam e obrigam o ouvinte a sair de sua zona de conforto. Não à toa, a apresentação foi encerrada com a guitarra de Kawabata pendurada, com o braço para baixo, no teto. Na Massarifest, os japoneses foram o elemento comburente de uma noite explosiva desde o início.
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