Sem Chão conquistou o prêmio de melhor documentário no Festival de Berlim do ano passado e, mais recentemente, o Oscar de melhor documentário em longa-metragem, consolidando-se como um dos mais impactantes relatos sobre a ocupação israelense na Cisjordânia. O filme é um testemunho direto da resistência palestina e da brutalidade da ocupação, capturado ao longo de anos por Basel Adra, um jovem palestino que documenta a destruição de sua própria comunidade, Masafer Yatta.
Desde a infância, Adra registra a vida em sua aldeia. Mas, conforme cresceu, suas imagens passaram a ser, predominantemente, de destruição. Masafer Yatta é uma região disputada. De forma cíclica, soldados israelenses chegam para demolir casas palestinas, alegando que foram erguidas ilegalmente em uma área designada para treinamentos militares. Entre 2019 e 2023, período que o filme cobre, esse processo se repete incessantemente: toda vez que uma casa é reconstruída, ela é novamente derrubada.
Diferente de muitos documentários que tentam apresentar uma visão equilibrada, Sem Chão não busca dar espaço ao exército israelense ou ao governo de Israel. A única voz israelense presente no filme é a do jornalista Yuval Abraham, que, já no início, deixa claro que vê as demolições como um crime.
A proposta do filme nunca foi mostrar “os dois lados”, mas sim oferecer um testemunho direto da violência cotidiana enfrentada pelos palestinos. Dirigido por Adra, Yusuf Hamdan, Hamdan Ballal e Rachel Szor – um quarteto igualmente dividido entre palestinos e israelenses –, o filme é, essencialmente, um diário em vídeo que mostra a realidade através dos olhos daqueles que a vivem.
A proposta do filme nunca foi mostrar “os dois lados”, mas sim oferecer um testemunho direto da violência cotidiana enfrentada pelos palestinos.
O documentário apresenta imagens difíceis de esquecer: uma menina chora enquanto sua casa é destruída por uma escavadeira; uma família encontra abrigo em uma caverna, pois não há mais onde morar; colonos israelenses mascarados atiram pedras contra Adra e sua família enquanto soldados assistem impassíveis; um homem é baleado por tentar impedir o roubo de seu gerador de eletricidade.
Há alguma narração para contexto, mas, na maior parte do tempo, as imagens falam por si – um testemunho de persistência e resistência. Adra e sua família poderiam deixar a região e buscar uma vida mais segura, mas este é o lugar que chamam de lar, e não pretendem abandoná-lo.
No decorrer da narrativa, acompanhamos a amizade crescente entre Abraham e Adra. Com o tempo, Abraham deixa de ser apenas um jornalista observador e passa a falar sobre a vila em termos mais pessoais e políticos. Em um momento, Adra o repreende levemente por tentar “resolver tudo em 10 semanas” com suas reportagens. No fim, Abraham está no centro dos confrontos com os soldados israelenses, sendo derrubado ao chão junto com os moradores.
O filme termina com imagens gravadas em outubro de 2023, mês do ataque do Hamas contra civis israelenses e do início do cerco a Gaza, que já deixou mais dezenas de milhares de mortos. Sem Chão não apresenta um desfecho porque a história que conta ainda não terminou – e é exatamente por isso que seu impacto é tão urgente e necessário.
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