Seth Rogen e Evan Goldberg são velhos conhecidos da comédia estadunidense. Mas em O Estúdio, série original da Apple TV, eles miram um alvo mais próximo do coração (e do bolso): a própria indústria do entretenimento. Com um humor impiedoso e uma construção narrativa que parece querer implodir a cada minuto, a produção entrega uma sátira frenética e autorreferente, sem perder de vista a pulsação tragicômica que move o mundo do audiovisual.
No centro da trama, Rogen interpreta o presidente de um estúdio em franca decadência, alguém que vive mais no modo “controle de danos” do que propriamente em busca de uma boa história. Ao seu redor, executivos desorientados, roteiristas desesperados e astros que aparecem (ou não) para salvar o dia. Parece ficção, mas quem acompanha o mercado audiovisual brasileiro — seja de longe, seja das entranhas — pode se pegar rindo com um leve incômodo: há ecos visíveis dos nossos próprios bastidores, das disputas por financiamento público aos dilemas éticos de plataformas e streamings.
A estética da série é um espetáculo à parte. Episódios como “The Oner” utilizam planos-sequência vertiginosos para ampliar a sensação de colapso iminente. O espectador é lançado dentro dos corredores do estúdio como se estivesse em um videogame onde cada diálogo é uma bomba-relógio prestes a explodir. Em meio ao caos, sobram momentos de brilhantismo: Catherine O’Hara em estado de graça, participações de Martin Scorsese, Charlize Theron, Ron Howard e Bryan Cranston que fogem do clichê das “pontas de luxo” e se integram organicamente à narrativa.
Ainda que a série da Apple TV dialogue com um público que conheça ao menos superficialmente a lógica interna de Hollywood, ela se recusa a ser hermética. Ao contrário, seus absurdos têm alcance quase universal. Afinal, quem nunca esteve em uma reunião onde ninguém sabe exatamente o que está fazendo, mas todos fingem com convicção?
O humor, como era de se esperar, é afiado. Mas talvez o aspecto mais interessante de O Estúdio seja a sua ternura disfarçada.
O humor, como era de se esperar, é afiado. Mas talvez o aspecto mais interessante de O Estúdio seja a sua ternura disfarçada. Há algo de profundamente melancólico por trás da comédia: a constatação de que a arte — ou ao menos a promessa dela — segue sendo produzida em meio a egos infláveis, planilhas desatualizadas e campanhas de marketing que tentam convencer o mundo de que tudo está sob controle.
É verdade que nem todas as personagens recebem o mesmo grau de aprofundamento, e a série parece mais interessada em sustentar sua espiral de caos do que desenvolver trajetórias emocionais mais nítidas. Mas esse excesso é coerente com a proposta: O Estúdio não quer ser um drama disfarçado de comédia, e sim uma comédia ciente de que o drama, no fim das contas, é o que sustenta o riso.
Em tempos de burnout criativo e incertezas no audiovisual — no Brasil e fora dele —, O Estúdio funciona como espelho e caricatura, catarse e provocação. É difícil não rir. E, depois, não pensar.
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