No último dia 15, a Fundação Cultural de Curitiba divulgou as bandas e grupos musicais curitibanos escolhidos por meio de seleção pública para se apresentarem na edição 2015 da Corrente Cultural. O evento, que conta com centenas de shows e outras atrações artísticas, acontecerá em Curitiba entre os dias 03 e 08 de novembro. O objetivo da Fundação é oferecer uma programação repleta de atividades, como shows de stand-up comedy, que acontecerão no Teatro Londrina, além de feiras gastronômicas e da Feira do Vinil, que será realizada no Memorial de Curitiba.
A lista divulgada suscita uma reflexão, digna de ganhar espaço em uma coluna que se propõe a abordar a produção musical autoral feita na cidade e no estado. O que o processo curatorial da Corrente Cultural diz a respeito da produção local? Em 2013, Igor Cordeiro, superintendente da Fundação, disse que a cidade precisava olhar para si, reconhecer seus próprios artistas. “Curitiba precisa se olhar no espelho e ser protagonista de sua própria história”, afirmou à época. Mas até onde isso está efetivado na edição deste ano?
É bom ficar claro que não faço e nem pretendo fazer juízo de valor, o que considero infrutífero à cidade, ao público e aos artistas. É inegável o esforço de Cordeiro e de sua equipe em oferecer um rol de artistas mais diferenciado, distanciando-se das edições anteriores. Contudo, o esforço não aparenta contemplar a pluralidade cultural que se espera de uma capital do porte de Curitiba.
Enquanto em 2013 víamos, por exemplo, um line-up que promovia a excelente cena hip-hop da cidade, com shows de Alienação Afrofuturista, ANT, Bangstars, Cabes MC e Karol Conka, e em 2014 os palcos receberam Inthefinityvoz e Luis Cilho, neste 2015 nenhum artista do gênero subirá aos palcos da cidade. Pior fica se olharmos para o funk. Ao contrário da tola classificação do senso comum ao gênero musical como inculto e sem valor, a vertente eletrônica da cidade é a mais forte do país, com artistas de reconhecimento nacional, como o caso de MC Mayara – aliás, não foram poucas as manifestações jocosas vistas nas redes sociais, ironizando o fato do gênero não estar representado por nenhum artista. Não espere, também, nada de pagode – apesar do samba de gafieira dar o ar da graça – e muito menos música sertaneja ou modas de viola.
O esforço não aparenta contemplar a pluralidade cultural que se espera de uma capital do porte de Curitiba.
Sem dúvida que nem todos os citados devem ter se inscrito no edital, mas é preciso olhar com cuidado para determinarmos o que estamos dizendo a cidade, aos fãs e aos grupos, correndo o risco de criar um embate infértil entre o que é considerado culto e o que é considerado inculto. Ou seja, fazendo juízo de valor. Afinal, a trinca folk–indie-rock, convenhamos, não representa tudo que a cidade oferece.
É curioso, também, ver que no corpo curatorial, responsável pela seleção dos artistas, esteja Rafael Maia, representante de um dos patrocinadores, enquanto outras pessoas relacionadas com o cenário musical de Curitiba de forma muito mais relevante – J.R. Ferreira, Neri Rosa, qualquer integrante da Associação PrasBandas ou organizador das inúmeras festas e festivais que ocorrem na cidade, por exemplo – não estiveram presentes. Nada contra Maia – lembrando que Marielle Loyola, radialista da Mundo Livre FM, também patrocinadora, integrou a equipe de seleção, porém, com enorme histórico na música independente – , mas sua presença, a meu ver, coloca em xeque, por exemplo, a participação da Lenhadores da Antártida, banda vencedora da etapa de Curitiba de um festival realizado pelo bar, recentemente aberto na cidade. Em tempos que a cena local está em efervescência, o escambo era completamente desnecessário.
Se, nas palavras de Igor Cordeiro, “a Corrente é a oportunidade que os artistas têm para se apresentarem para um dos maiores públicos no ano”, imagina-se que também deveria ser uma oportunidade dada aos que pouco espaço têm, como o mesmo Cordeiro disse em 2013. “(A Corrente) será uma ótima oportunidade para o público conhecer melhor bandas e artistas locais que estejam se organizando profissionalmente para trabalhar com música autoral, mas muitas vezes não têm o merecido reconhecimento dentro de sua própria cidade”. Neste contexto, difícil imaginar que a Big Time Orchestra e a Leash, participantes do programa SuperStar, da Rede Globo, se enquadrem em grupos que não são reconhecidos ou mesmo não tenham espaço. Coisa semelhante vale para a Relespública. Sejamos coerentes, há algo de errado aqui.