Por Moreno Valério*, especial para A Escotilha
O clima típico de Curitiba, nublado e chuvoso, também foi palco para as apresentações da Corrente Cultural de 2015. No último dia do evento, que aconteceu nesse domingo (8), parte das apresentações ocorreram em palco montado na Boca Maldita. Às 11 horas da manhã, o rapper Emicida abriu os espetáculos do dia.
Se Marcelo D2 representa o hip hop no samba (como afirma em sua música “Vai Vendo”), Emicida com certeza é o grande representante do rap. Mesmo que ele misture outros ritmos, como reggae e samba, ao seu som para criar algo único, o rap continua como principal vertente das suas músicas.
Em um domingo de movimento normal, pelo menos até as proximidades da Boca Maldita, enquanto muitas pessoas ainda dormiam – algumas debaixo das marquises da XV, infelizmente, cenário que colocava opostos em uma mesma cena o show e a população em situação de rua – o clima foi esquentando conforme a performance acontecia. Tanto pelos vendedores ambulantes, que além do tradicional água, refrigerante e cerveja, também vendiam caipirinha e shots de tequila, quanto pela música e proximidade das pessoas em frente ao palco.
Nem o barulho de obras próximas, como da Sanepar, ou do HSBC em seu prédio famoso por apresentações natalinas, foram o suficiente para atrapalhar o show. Contando com músicas mais conhecidas, como “Zica, vai lá”, aliado às canções do seu mais recente álbum lançado esse ano, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa…, Emicida agitou o público presente. Mesmo quem não conhecia as músicas teve facilidade em aproveitar o som, graças à mescla de estilos do rapper, e também em cantar os refrões – que possuem uma pegada leve e de fácil assimilação.
Ao olhar o público é interessante perceber que, embora o rap tenha sido deixado um pouco de lado nessa edição da Corrente (além do Emicida, apenas a etapa final do Circuito CWB de Rimas defendeu o gênero no evento), grupos que representam os fãs de rap estavam lá, em peso. Mas não era uma maré única, não. Ali também estavam pessoas que conheciam o Emicida por outros meios, que não acompanhavam o cenário do rap brasileiro, alguns desavisados que passavam por ali e viam a rua Desembargador Ermelino de Leão fechada para o evento, crianças nas cabeças dos pais e senhores e senhoras que até olhavam de cara fechada num primeiro momento, mas logo se entregavam à batida contagiante.
Ao olhar o público é interessante perceber que, embora o rap tenha sido deixado um pouco de lado nessa edição da Corrente, grupos que representam os fãs de rap estavam lá, em peso.
As lojas fechadas contracenavam com algumas lanchonetes abertas e que, devido ao fechamento da rua pelo público, estavam praticamente vazias. Os atendentes não reclamavam: muitos estavam na porta da loja assistindo ao show. Os senhores que falam de tudo e que batizaram a tradicional Boca Maldita também estavam lá – em seu clássico locus nos cafés da região. Alguns deles se mostravam curiosos assistindo ao show enquanto tentavam entender quem era aquele no palco. Outros simplesmente curtiam a apresentação descompromissados, enquanto uns ainda se recolhiam dentro dos cafés para ficar o mais longe possível do barulho.
Antes de começar, o discurso que abriu o show citou Enedina Alves Marques, a primeira engenheira negra do Brasil. Fato que o próprio Emicida lembrou ao final da apresentação. Em vários momentos o músico lançou frases impactantes, como “as páginas são brancas, mas a história é negra” e “aqui todo dia vai ser 20 de novembro” (em referência ao fato que Curitiba não aderiu ao feriado do Dia da Consciência Negra). Entrando no clima da turbulência política do país, o protesto “Fora Cunha” marcou presença no público e acabou valendo uma declaração de Emicida antes dele sair do palco: “Fora? Esse aí já vazou faz tempo”.
* Moreno Valério é um curitibano estudante de jornalismo. Passando por outros campos, foi na dúvida entre exatas ou humanas que se encontrou na área jornalística – engenheiro não praticante e futuro jornalista. Aliando o texto aos números em assuntos de tecnologia e atualidades, guarda um espaço especial para o jornalismo cultural.