Minas Gerais é uma região abençoada na história da música nacional. Nos últimos 25 anos, o rock também brindou o país com grupos que marcaram época, ainda que alguns possam torcer o nariz para eles. Skank, Pato Fu, Jota Quest, Tianastácia e Sepultura são nomes que boa parte do público conhece (e gosta, ou não). A tradição musical é longa, desde os tempos do Clube da Esquina, que influenciou toda essa turma. Sendo assim, nada mais natural que tudo isso seja misturado nas novas gerações.
Nos últimos anos vimos surgir uma nova leva de grupos e/ou artistas que, inspirados pelo rock and roll, fusionaram as próprias origens num movimento antropofágico, incluindo aí as doses de sempre da universalidade típica na música da terra do pão de queijo. Transmissor foi uma que puxou o bonde com três bons discos, incluindo o incrível Sociedade do Crivo Mútuo.
2015 foi ano que trouxe duas novas apostas mineiras: Valsa Binária e a banda da coluna Radar de hoje, a Todos os Caetanos do Mundo. O incômodo citado no título da matéria não tem nada relacionado à qualidade do grupo. A marca registrada da Todos os Caetanos do Mundo é fazer um rock que incomoda por não ser convencional, por flertar com referências díspares, como Arnaldo Antunes e The Beatles da fase Revolver, por tocar em detalhes doídos sobre nossa cotidianidade. Por sinal, mesmo que não integralmente, nota-se como esse revival psicodélico brasileiro também chegou em Minas.
A marca registrada da Todos os Caetanos do Mundo é fazer um rock que incomoda por não ser convencional, por flertar com referências díspares.
Arnaldo Antunes, inclusive, divide os vocais em uma das faixas de Pega a Melodia e Engole (a faixa que batiza o disco), álbum de estreia do grupo mineiro. Julia Branco, Luiz Rocha, Thiago Braga e Adriano Goyatá contaram com a produção de Chico Neves, o mágico por trás de discos d’Os Paralamas do Sucesso, Lenine e Los Hermanos. Além disso, Ben Findlay fez a mixação e masterização, bem como já havia feito com ninguém menos que Paul McCartney. Claro que nada disso faria sentido se o quarteto não tivesse qualidade.
Pega a Melodia e Engole não é um disco simples, de fácil digestão. Suas notas, por vezes dissonantes, atravessam nossos tímpanos um tanto atravessadas. A diferença de ritmos, tempos e o bom trabalho lírico do grupo são perceptíveis de cara, mas são melhor aceitos após uma segunda ou terceira audição. A partir daí é possível captar cargas irônicas nas harmonias da Todos os Caetanos do Mundo. Essa mistura de bossa nova, samba e rock, quase de forma despretensiosa, nos faz cair num molejo mental.
O diálogo de todas essas referências com sua própria identidade é um convide à reflexão, uma crítica delicada à urgência diária que delimita nosso contato à modalidade expressa de relações humanas, enquanto a vida é, na realidade, etérea. E, novamente, o grupo torna-se incômodo ao apontar nossa mesmice. Incômodo, mas necessário. Há espaço, ainda, para a delicada “Là-bas”, uma canção em francês para tornar Pega a Melodia e Engole sublime e elegante, como a vida deveria ser.