As sitcoms – ou comédias de situação, do cotidiano – há muito tempo ocupam importantes faixas dos horários nobres televisivos, especialmente nos Estados Unidos, no qual o formato é praticamente obrigatório em todo canal de televisão aberta. No Brasil, a influência das séries norte-americanas ocorre desde o comecinho da televisão. Em 1960, os chamados “enlatados” (termo ainda utilizado por alguns) chegaram com força, expressivamente na Rede Globo e Bandeirantes.
Embora, atualmente, os seriados cômicos nacionais, principalmente os produzidos pela Globo, fujam bastante da padronização norte-americana, é curioso perceber o impacto das sitcoms estadunidenses em uma fatia do público brasileiro (e mundial) que consome televisão a cabo, Netflix ou internet. Afinal, Friends não é um sucesso apenas pelas suas (fracas) piadas, mas por nós, inevitavelmente, querermos ser norte-americanos vivendo em Nova York, tomando café em canecas gigantes ou em copos de papelão. A indústria cultural tem uma razão de existir e de ser estudada.
As sitcoms têm origem nas rádios inglesas. Incorporado à cultura norte-americana, logo o formato ganhou uma gramática própria, que embora tenha alterações nos dias de hoje, permanece bastante similar, como utilizar cenários com, no máximo, três ambientes, por exemplo, ou as gravações com plateias, para que a risada seja inserida ao fundo – as famosas claques.
A primeira comédia de situação produzida nos EUA foi I Love Lucy (1951), um sucesso estrondoso na época, que acabou moldando o modus operandi de se fazer humor para a família. Retratando o cotidiano da classe média norte-americana, a história era centrada na rotina de Lucy, uma dona de casa que levava seu marido à loucura com suas trapalhadas. Ainda que extremamente conservadora (afinal, eram os anos 1950), I Love Lucy acabou abordando temas corajosos para a época, como machismo e feminismo. Foi com Lucy que a situation comic se eternizou.
Incorporado à cultura norte-americana, o formato ganhou uma gramática própria, que, embora tenha alterações nos dias de hoje, permanece bastante similar.
No Brasil, Alô, Doçura foi a primeira série semelhante à Lucy e a primeira produção brasileira a adotar o formato sitcom. Baseada no programa de rádio O Encontro das Cinco e Meia, a série era transmitida ao vivo, dirigida por Cassiano Gabus Mendes, tendo como protagonistas Eva Wilma e John Herbert, durando mais de 10 anos no ar. A fórmula ainda seria repetida em programas como Eu e Você, com Tarcísio Meira e Glória Menezes e O Casal Mais Feliz do Mundo, com Walmor Chagas e Vera Nunes.
Já a partir de 1970, a produção brasileira se intensifica, principalmente com a Globo, e cada vez menos os fãs de séries norte-americanas podem ver seus produtos na televisão aberta, ao menos de forma linear, com os canais preferindo investir em produção nacional e em suas próprias séries, quase que predominantemente dramáticas. Entretanto, algumas sitcoms tiveram sucesso na época, como Casal 20 (a referência a casais dura até hoje no Brasil), Alf – o ETeimoso e A Gata e o Rato. Porém, nenhuma dessas séries tiverem episódios exibidos na ordem certa, sendo utilizados mais como tapa-buracos.
A partir da popularização da TV a cabo e da internet banda larga, o público começou a migrar, filtrando interesses e, de certa forma, abandonando as produções brasileiras. As últimas grandes sitcoms tradicionais que obtiveram sucesso significativo, por exemplo, foram Sai de Baixo, Toma Lá Dá Cá e A Grande Família (originalmente exibida nos anos 1970, que por sua vez foi uma adaptação da americana All in The Family). A partir de 1990 e começo dos anos 2000, o público abandona de vez séries norte-americanas exibidas na televisão aberta (ainda que Plantão Médico tenha feito bastante sucesso por aqui), especialmente no SBT, que jamais respeitava horários, tirando e colocando do ar sem aviso prévio.
Atualmente, as sitcoms de maior sucesso não falam estritamente sobre família ou casais, mas Friends e How I Met Your Mother ocupam uma memória afetiva forte no público que acompanhou as histórias. Então, quem somos nós quando nos vemos representados na tela norte-americana? Sendo sitcom uma comédia de situações que acontecem ao nosso redor, nós, então, nos habituamos com os costumes americanizados de rir, bem como a gramática de se fazer comédia por lá. The Big Bang Theory, por exemplo, utiliza-se de referências pop estadunidenses, sendo um sucesso mundial.
Ainda que seja bastante simples pensar o motivo de nós, brasileiros, nos identificarmos com uma cultura um tanto quanto longe da nossa realidade, é interessante pensar como nos conectamos muito mais com seis amigos que moram em uma região nobre de Nova York do que com Vai que Cola, Pé nas Cova, Os Aspones ou Sob Nova Direção. Não há como comparar, obviamente, a força de uma produção divulgada em escala mundial com nossas produções (principalmente se pensarmos nos roteiros conservadores daqui), mas há uma certa relutância, tanto do público quanto das emissoras, em investir em comédias de situação que, de fato, tragam alguma originalidade ou retrate nosso cotidiano de forma inteligente e não apenas caricata. Séries cômicas, não necessariamente no formato sitcom, como A Diarista e Tapas & Beijos, tiveram grande sucesso, mas não há uma identificação geral com as situações retratadas ali, restringindo-se a plots fracos, escrachados. Quando pensamos em retrato da sociedade na televisão, nossa memória vai diretamente às novelas.
As sitcoms norte-americanas, então, fazem parte de um processo de aculturação comandado por quem mais detém a hegemonia econômica. Afinal, os filmes dos EUA ocupam mais da metade das salas de cinemas, assim como as livrarias estão abarrotadas de best sellers estrangeiros. Para nós, então, fica fácil rir de piadas quase que exclusivamente norte-americanas, mesmo que nada daquilo tenha a ver conosco, mesmo que nós não compremos café diariamente para ir ao trabalho, andando sob a neve.