Um dos jogos de mesa mais fascinantes já criados, na minha opinião, é o pinball. O jogo, espremido na tênue faixa entre o real e o virtual, entre o mecânico e o eletrônico , trabalha sua dinâmica a partir de uma pesada bilha de metal, que se debate de um lado para o outro em bumpers, kickers e flippers através de um vidro e é, além de muito divertido, uma experiência imersiva, sinédoque da vida para mim.
A lição número um do pinball é que a ação acontece a partir de seus comandos, mas a reação é comandada pelas leis da física, e há muito pouca interação entre essas duas cadeias de comando. Dependendo da máquina, uma pancada mais forte no botão do flipper corresponde a um coice mais violento sobre a bola de metal, mas no sistema moderno de jogo, tal intenção não se repercute no ambiente interno. O vidro conecta máquina e humano na mesma experiência, ao mesmo tempo em que a limita e a aprisiona. Merleau-Ponty, caso jogasse pinball, talvez concordasse comigo. É, pois, um jogo sobre a limitação do controle e do poder exercido em um universo materialmente intangível – ainda que cientificamente aplicável — e a influência do jogador sobre a bolinha de metal por meio de dois ou três botões nada mais é do que o pináculo do livre-arbítrio sobre a máquina.
A lição número um do pinball é que a ação acontece a partir de seus comandos, mas a reação é comandada pelas leis da física, e há muito pouca interação entre essas duas cadeias de comando.
O que não significa que a ação dentro do vidro não possa ser controlada de alguma forma. O bom jogador de pinball sabe calcular os ângulos de seus tiros, e direcionar ações para reações desejáveis, dessa maneira controlando a imprevisibilidade das coisas e forçando a ordem no caos onde ela couber. Como a vida. Os sensores espalhados por toda a estrutura interna por onde passa a pesada e desajeitada bilha reconhecem o que está sendo feito, mas não o que está sendo intentado. Mesmo assim, enquanto até, vá lá, se pode conseguir algumas façanhas de maneira errática e acidental, as boas jogadas dependem desse controle limitado.
Já com o mau jogador acontece um fenômeno de outra ordem. Inexperientes no pinball podem se aproximar da máquina e achar que tudo se resume a apertar freneticamente os botões do flipper até que algo grandioso acontece, mas o que realmente se sucede é a ascensão gradual do caos sobre o jogo, e quanto mais bumpers, kickers e targets reagem à bolinha de pinball, mais o mau jogador abandona qualquer ambição de construir um jogo sólido e passa a ser, ele também, um mecanismo reativo, tornando-se máquina como todo o resto.
Controlar a máquina ou por ela ser controlado é, portanto, o enigma da esfinge do pinball. Colocar a própria vontade em meio à desordem e leis pré-estabelecidas é um desafio diário refletido no aparato de ferro, vidro, borracha e plástico. A vida é luta. A representação das forças que regem a vida é entretenimento. Pode ser. Gosto assim.