Há muito que Jonathan Franzen é um escritor hiperbólico e considerado o maior herdeiro da tradição do Grande Romance Americano. Avesso às redes sociais e crítico da internet, o autor de Pureza (Companhia das Letras, 616 páginas), publicado meses atrás no Brasil, se mantém incólume à superexposição em que alguns de seus colegas estão imersos.
Esse autoexílio não faz de Franzen um homem parado no tempo, ao contrário, parece estar cada vez mais atualizado com as neuroses contemporâneas. Se em Liberdade tratou das questões sociais pelo prisma de uma família em decomposição, Pureza é o inverso. Purity, ou Pip como gosta de ser chamada, é uma jovem idealista de 20 e poucos anos em crise consigo mesma e com a mãe, uma mulher quebrada pelas sucessões de fracassos que pairam sobre si.
A falta de perspectiva transforma Pip em uma presa fácil para qualquer rede de intrigas minimamente bem estabelecida e, muito antes do meio do livro, ela está envolvida em um esquema inóspito envolvendo Andreas Wolf, uma espécie de Julian Assange populista. Assim como a personagem homônima de Charles Dickens, o que move Pip são as grandes esperanças que deposita em desconhecidos. Quase sem perceber, ela está na Bolívia – retratada com certo maneirismo – fazendo parte uma organização focada em tornar público segredos de estado.
Entre as reflexões sobre os valores da sociedade americana e da consumação do colapso global, Franzen faz um raciocínio interessante sobre o declínio da literatura como a conhecemos: o romance é recheado por “imagens” que lembram conversas via WhatsApp ou mensagens de texto. A estratégia pode chocar à primeira vista ao eliminar elementos clássicos da narrativa.
Parado no tempo, ele ainda se mantém atualizado e relevante, com uma habilidade de ímpar de analisar com boa dose de sarcasmo a confusão do mundo contemporâneo, uma confusão que deixaria até mesmo Calígula envergonhado.
Roubando Tolstói
Quando esteve no Brasil, em 2012 para FLIP, dois anos depois do aclamado Liberdade, Franzen comentou que roubava Tolstói e comparou o livro a Guerra e Paz. Nesse sentido, Pureza é um livro mais honesto – se é que seria essa a palavra – ao evocar os recorrentes Faulkner e Proust. É inegável o fato de que Franzen é um homem de seu tempo, capaz de usar os recursos que tem às mãos para compor a sua obra – entremeada por histórias que se cruzam para convergir em determinado ponto.
O conflito entre Pip e a organização de Wolf é apenas uma gota no oceano. Os dilemas éticos levantados em Pureza vão além e tratam de questões como o Estado Islâmico, a privacidade na internet – para Franzen, o Google é mais perigoso que o governo -, a questão da imigração e o radicalismo que assola as democracias.
Nem o escritor e nem os personagens carregam qualquer intenção de profecia, mas é impossível não pensar na ascensão de Trump e o poder do discurso. Essa é o mesmo estratagema de Andreas Wolf para aliciar Pip. Nesse prisma, não é difícil imaginar o esquema complexo criado para encaixar as peças desse monstruoso quebra-cabeça.
Entre declarações de amor e ódio a Franzen, o romancista se fortalece e a obra só tem a ganhar. Parado no tempo, ele ainda se mantém atualizado e relevante, com uma habilidade de ímpar de analisar com boa dose de sarcasmo a confusão do mundo contemporâneo, uma confusão que deixaria até mesmo Calígula envergonhado.