“Expose what hurts you the worst, the exchange deals a handsome return”. A frase dita pelo vocalista Jeremy Bolm na música “To Write Content”, do disco Is Survived By (2013), transparece bem o que é o Touché Amoré e a música de Bolm. Alguém que expõe todos os seus sentimentos e mantém seus ferimentos sem bandagens. Alguém que faz da música um meio de colocar para fora tudo guardado, aquilo que mais dói, e tenta transformar tamanha sinceridade em algo. A frase é, de certa forma, um mantra para o Touché Amoré, uma das maiores bandas da atual geração de post-hardcore, e vem à cabeça a cada nova música deles.
Jeremy Bolm está de coração aberto e sangrando em Stage Four, o quarto disco dos californianos do Touché Amoré. Lançado na semana passada, o álbum transita pelos sentimentos de Bolm após a morte da mãe em 2014, levada por um câncer. Ao contrário do trabalho que falei semana passada, do Nick Cave & The Bad Seeds após a morte do filho de Cave – que lida com o luto alegoricamente -, Stage Four é direto e sincero. Sem floreios, como é toda a discografia da banda. O próprio título faz menção ao quarto estágio de um câncer, o último.
Stage Four é direto e sincero. Sem floreios, como é toda a discografia da banda.
Encarar a morte de alguém próximo é se culpar por não estar lá na hora certa, é lembrar de fazer perguntas depois que já é tarde demais, é se surpreender a cada marcador temporal que se passa – um mês, seis meses, um ano, dois anos, cada aniversário -, é lembrar da pessoa nas pequenas situações do dia a dia, é se esforçar para orgulhar alguém que não está mais aqui mas que você espera que esteja te olhando. É sobre tudo isso que Stage Four trata, da forma mais confessional que é tão pura da banda e de Jeremy Bolm.
Em “New Halloween”, uma das faixas mais fortes do álbum, Bolm se culpa por estar no palco em um show na hora da morte da mãe. Diz que é onde ela gostaria que ele estivesse, mas que não é tão fácil assim se consolar. Fala de pequenos gestos que soam comuns a qualquer um que já esteve nessa situação. “How has it already been a year? I skip over songs because they’re too hard to hear, Like track 2 on ‘Benji’ or ‘What Sarah Said’”, em referência a duas canções que tratam sobre morte. A segunda faixa de Benji, o disco do Sun Kil Moon, chama-se “I Can’t Live Without My Mothers Love”. Ainda em “New Halloween”, que diz muito sobre o disco inteiro, Bolm encerra a canção falando que ainda não teve coragem de ouvir a última mensagem de voz que sua mãe o deixou. Mais tarde, na faixa que encerra o disco, “Skyscraper”, é a gravação desta mensagem que fecha o álbum.
Stage Four trabalha com perguntas sem resposta de Bolm após a morte da mãe. Ele questiona Deus em “Displacement” ao dizer que não consegue louvar uma entidade que a deixou ir embora. Prefere, então, não acreditar em nenhum Deus, mas sim em sua mãe o olhando de algum lugar. É um dos momentos de raiva do disco, que passa por várias fazer do luto até encontrar uma certa paz na última música, em que Bolm aceita que a mãe continua viva sob as luzes dos prédios de Nova Iorque. O clipe, em que ele carrega uma cadeira de rodas vazia pela cidade, é um dos momentos mais belos da banda até hoje.
Musicalmente, Stage Four traz algumas variações do Touché Amoré. Em seus três discos anteriores a banda fez post-hardcore catártico com guitarras e baterias extremamente rápidas e os gritos de Jeremy Bolm. Um estilo que segue presente no novo álbum, mas ao lado de guitarras mais limpas, momentos mais tranquilos e, até mesmo, o vocal claro e cantado em duas músicas. Em “Skyscraper” a banda bebe de influências como o The National para pisar no freio e simbolizar uma certa paz após o luto. É uma guinada semelhante a do Pianos Become the Teeth em Keep You (2014), em que a banda deixa os gritos de lado para assumir um lado de menos fúria.
É um ano pesado. David Bowie deixou sua carta de despedida em forma de álbum, Nick Cave lidou com um luto inesperado na obra mais melancólica dos últimos tempos. Como é puro de si, o Touché Amoré fez sua obra sobre o inevitável. Da sua maneira, expondo o que mais dói.