A catarse é um sentimento complexo. Ela pode ser libertadora e dolorosa. É uma espécie de exorcismo. O ato de expulsão dos nossos conflitos, demônios internos e sentimentos mais profundos. É como um parto doído que acaba deixando tudo mais claro no final das contas.
A arte quando é sincera carrega em si o poder da catarse. Ela dialoga, gera reconhecimento e a sensação de amparo. É um exorcismo daquilo que a gente carrega lá dentro do peito. A carreira inteira da Brand New foi pautada nisso: exorcizar os demônios do vocalista Jesse Lacey. E justamente por isso a banda ganhou um status de clássico entre os admiradores do emo e do rock alternativo.
Ao falar das suas aflições, Lacey dá suporte àqueles que sofrem da mesma forma que ele. Mesmo quando soa absurdamente pessimista, só o fato de conseguir expressar seus sentimentos, colocar tudo aquilo para fora, já é uma espécie de terapia para os fãs da banda.
Em Science Fiction, quinto álbum do grupo depois de sete anos sem lançar material novo, ele parece estar bem ciente do papel que desempenha. Mas isso não significa que ele se sinta menos inseguro. Pelo contrário.
O tempo inteiro Lacey questiona se ele conseguiu passar uma mensagem positiva, se ajudou alguém efetivamente com a sua arte (“Can’t Get It Out” é o exemplo mais explícito). Essa pergunta atormenta muitos artistas, mas poucos têm a coragem de fazê-la em voz alta.
Ano passado, eles supostamente estabeleceram uma “data de validade” para o grupo, com uma série de merchans que estampavam os dizeres “BRAND NEW 2000-2018”. O álbum — que muitos acreditavam que nem seria lançado — soa como uma grande despedida.
A agressividade e inconformismo de trabalhos passados, como o Daisy (2009), deram lugar a uma resignação melancólica.
Se tratando de Brand New, faria sentido eles mesmos escolherem botar um ponto final nessa carreira. Afinal, a mortalidade e efemeridade sempre foram temas recorrentes nas letras do grupo. Esse álbum não é exceção.
Acompanhado por arranjos que lembram uma mistura dos álbuns Deja Entendu (2003) e The Devil And God Are Raging Inside Me (2006) — com uma pegada ligeiramente mais acústica e limpa —, Lacey soa exausto. A agressividade e inconformismo de trabalhos passados, como o Daisy (2009), deram lugar a uma resignação melancólica.
Faixas como “No Control” e “Batter Up” evocam esse sentimento de cansaço, de admitir que há certas coisas sobre as quais não temos controle total. A primeira é uma balada bem cadenciada, a segunda uma canção mais lenta que flerta com o post-rock, mas se arrasta um pouco pela falta de dinâmica ao longo dos seus oito minutos de duração.
Já “In The Water” parece referenciar diretamente a dificuldade da banda em produzir o disco. Lacey passou por longos períodos de bloqueio criativo e nessa faixa deixa claro que ele não se apressaria para lançar música alguma, só para satisfazer os fãs, se elas não fossem realmente sinceras. Ao mesmo tempo, ele parece refletir sobre o legado da banda, sobre como ele sente que mesmo depois de tanto tempo, ainda não conseguiu se expressar da maneira que gostaria.
Há poucos momentos em que Lacey assume outras perspectivas além da sua própria. Um deles é em “137”, uma canção distópica que fala sobre a possibilidade de um holocausto nuclear (e que tem um belo e inesperado crescendo) e também em “Desert”, na qual aborda seus conflitos com a religião — uma constante na discografia da banda — ao encarnar o papel de um conservador cristão.
Musicalmente, esse álbum é bem mais leve do que seus antecessores. Os vocais rasgados são usados de maneira econômica: a preferência é dada ao tom melancólico, e por vezes apático, da voz limpa de Lacey. A banda aposta mais nas guitarras sem distorção, violões e alguns elementos de folk, ao invés de momentos explosivos.
Porém, quando eles aparecem, como nas ótimas “Same Logic/Teeth” e “451”, soam tão impactantes como as músicas clássicas do catálogo do grupo. Em um primeiro momento, essa pegada mais “calma” do álbum pode passar a impressão de que a emoção crua que eles sempre transmitiram não está presente nesse trabalho. Mas ela está ali, apenas em outra roupagem.
Science Fiction trata, de certa forma, da incredulidade que acompanha momentos difíceis, de ruptura. Aqueles momentos em que tudo parece suspenso, como a menina da capa, e nossos pensamentos se embolam em uma grande massa de incertezas e questionamentos. “Isso está mesmo acontecendo?”.
Talvez essa tenha sido a grande pergunta que guiou o processo de produção do álbum. Afinal, parece difícil acreditar que essa intensa caminhada esteja chegando ao fim depois de 18 anos. Ao menos, Science Fiction nos dá a chance de dizer adeus e agradecer, mais uma vez, pelo amparo que Brand New deu a tantos fãs.