Com 20 segundos de sons de baleia se inicia um dos discos mais icônicos dos anos 1970 e que influenciaria todo o cenário do pop e do rock dali pra frente. The Kick Inside, de Kate Bush, completa 45 anos e segue sendo um disco complexo, influente e repleto de histórias a serem descobertas.
Kate foi descoberta ainda na adolescência por David Gilmour, do Pink Floyd, que foi seu primeiro “financiador”. Aos 16 anos, ela assinou contrato com a gravador EMI, mas deixou bem claro que não lançaria nenhum disco até terminar os estudos. Nesse tempo, terminou a escola, fez aulas de dança, mímica e música e escreveu uma centena de canções, entre elas o clássico “Wuthering Heights”.
“Wuthering Heights” foi o primeiro single do disco, lançado em janeiro de 1978, mesmo a certo contragosto da gravadora, que queria que “James and the Cold Gun” fosse o primeiro, por ser uma faixa mais soft rock e acessível ao público. Kate, com 20 anos na época, bateu o pé e já deixou claro que era a dona de sua carreira logo de saída. A faixa foi um estouro e é até hoje o maior hit de Kate Bush. “Wuthering Heights” chegou ao primeiro lugar na Inglaterra, consagrando Bush como a primeira cantora e compositora a ter um número um de sua própria autoria.
‘The Kick Inside’, de Kate Bush, completa 45 anos e segue sendo um disco complexo, influente e repleto de histórias a serem descobertas.
De voz aguda e ‘estranha’, Kate chamou a atenção do mundo. Quando The Kick Inside saiu, em fevereiro de 1978, já estava marcado que ela seria uma figura fundamental na música pop do século XX. Seu disco de estreia é suficientemente complexo e ousado, em diferentes medidas, pois flerta com o soft rock, o pop barroco e o rock progressivo, mas cria um universo completamente próprio, marcado por suas referências literárias e cinematográficas, atrelados a suas experiências pessoais.
O sucesso “Wuthering Heights”, por exemplo, é inspirado pela história de O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë. Curiosamente, Kate já revelou que escreveu a faixa antes de ter lido o livro, inspirada nos minutos finais da versão cinematográfica de 1970 da história, aquela protagonizada por Timothy Dalton, que ela havia assistido na TV. Só depois de escrita a faixa é que ela acabou lendo o livro.
O single de maior sucesso ganhou dois clipes, uma versão UK, onde Kate perfoma num estúdio esfumaçado, de vestido branco; e a versão US, onde ela dança a coreografia numa floresta, com um vestido vermelho. A segunda versão se tornou tão icônica que hoje em dia você encontra tutoriais e vídeos que ensinam a coreografia.
Além disso, se tornou uma tradição entre fãs de diferentes partes do mundo se reunirem para recriar o vídeo. Em Melbourne e Sidney, na Austrália, os flash mobs em homenagem ao clipe já se tornaram anuais, porém foi em Brighton, na Inglaterra, que o Guiness Book registrou o maior número de Kate Bushs reunidas: 300 fãs vestidos de vermelho e dançando a coreografia clássica em 2013.
Aliás, essa história de diferentes versões é quase usual para Kate Bush: sempre bastante assertiva em relação a suas decisões, muitas vezes seus ideais artísticos batiam de frente com as decisões comerciais de sua gravador. Por isso mesmo, The Kick Inside tem seis (!) diferentes capas de lançamento, sendo a original mais distinta, com ela pendurada numa espécie de cruz, com um vestido vermelho, uma chama em seu entorno. Ao lado esquerdo, há o desenho de um grande olho e as fontes aparecem grafadas quase como silabários japoneses. Realmente, pouco usual para o mercado norte-americano.
Produzido por Andrew Powell e com a ajuda de David Gilmour e outros medalhões do rock progressivo, The Kick Inside em nenhum momento soa como um disco que emula os trabalhos distintos dessa equipe, mas sim apresenta a segurança e as decisões firmes da própria Kate Bush, que soa presente em cada pequeno detalhe do disco.
Além de sua voz única de soprana, suas composições se destacam de forma tão imponente quanto: “The Man with the Child in His Eyes” é uma estranha canção de amor que ela escreveu aos 13 anos; já “Feel It” e “L’Amour Looks Something Like You” falam de um amor quase sexual; “Strange Phenomena”, por sua vez, é sobre déjà vu e outras coincidências do tipo.
Essa última, curiosamente, foi o último single do disco e foi lançada em 1979 apenas no mercado brasileiro (trazia como b-side a faixa “Wow”, presente no disco Lionheart; obviamente, hoje em dia, esse single é uma raridade no mercado internacional). De todo modo, não achei nenhuma explicação plausível do lançamento exclusivo nacional.
Além das questões musicais, The Kick Inside já demonstrava o caráter performático de Bush. Além dos dois clipes de “Wuthering Heights”, “The Man with the Child in His Eyes” ganhou um estranhíssimo vídeo da cantora dançando em meio a muita fumaça. Já em dezembro de 1978, Kate se apresentou no Saturday Night Live, no que foi sua única apresentação ao vivo nos EUA; ela iniciou uma turnê em 1979, fez três shows e desistiu, tornando-se famosa por sua reclusão, voltando aos palcos apenas em 2014, em 22 shows esgotados na Inglaterra.
Entre 1978 e 1979, por outro lado, é possível encontrar diferentes perfomances da artista em programas televisivos de diferentes países. Ainda em 1978, no mês de novembro, Kate Bush lançou seu segundo disco, Lionheart, que ela própria desgosta, por considerar um trabalho um tanto apressado e imaturo.
Figura recheada de mitologia e histórias, Kate Bush se tornou um ícone para diversas artistas mulheres: Björk, PJ Harvey, Fiona Apple, Tori Amos, Florence Welch, Solange são algumas das que citam ela como uma influência direta. Nesse sentido, The Kick Inside é apenas o pontapé inicial de uma carreira longa, que nos apresentaria ainda discos geniais como Never for Ever e Hounds of Love e diferentes vídeos e perfomances de uma artista inquieta e extremamente instigante.
https://open.spotify.com/album/5NKTuBLCYhN0OwqFiGdXd1
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