É difícil criar uma comédia de situação (as chamadas sitcoms) e trazer algum frescor à narrativa, porque já vimos basicamente tudo, mesmo que, atualmente, esse tudo se limite a basicamente três séries: Friends, How I Met You Mother e The Big Bang Theory. Muitas vieram e abriram caminho, inclusive One Day at a Time, produção dos anos 1970 que fez muito sucesso na CBS e contava a história de uma mãe solteira (Bonnie Franklin) que se mudava para Indianápolis com as duas filhas adolescentes (Mackenzie Phillips e Valerie Bertinelli) e fazia amizade com o síndico do edifício onde passavam a morar (Pat Harrington Jr).
Poderia ser só mais um remake, mas a produção desenvolvida por Gloria Calderon Kellet e Mike Royce vai além de pegar atores diferentes para contar a mesma história de uma família norte-americana com problemas. Agora focado em um grupo familiar cubano-americano, One Day at a Time consegue mesclar uma história engraçada com um drama relevante para os dias atuais, tudo isso com um texto afiado, atores entrosados e piadas que funcionam. Ou seja, tudo o que gostamos em uma sitcom, mas sem ser boboca. Ainda há futuro para o formato.

Na versão do Netflix, a série é protagonizada por Justina Machado, mais conhecida por ter interpretado Vanessa Diaz em Six Feet Under. Na história, Justina é Penelope, uma ex-militar divorciada que precisa se adaptar à sua nova vida de solteira. Com ela moram sua filha adolescente e problematizadora Elena (Isabella Gomez), seu filho bastante sociável Alex (Marcel Ruiz) e sua mãe Lydia (a grande Rita Moreno, ótima), uma cubana da velha guarda que ainda guarda firmemente suas tradições. A família também conta com a ajuda de Schneider (Todd Grinnell), um solteirão convicto que mora no mesmo prédio e acaba se afeiçoando à família.

One Day at a Time consegue mesclar uma história engraçada com um drama relevante para os dias atuais, tudo isso com um texto afiado, atores entrosados e piadas que funcionam.
A série finca os pés nos valores familiares e trabalha com a mesma fórmula de sempre: risadas ao fundo e a interação dos personagens em cenários fixos. A diferença é que nada soa muito repetitivo e os clichês são trabalhados de maneira esperta. Há piadas misturadas com críticas ferrenhas, mas tudo é apresentado de forma orgânica. As risadas não incomodam, mas complementam.
One Day at a Time pega o contexto atual dos Estados Unidos e amplifica em um discurso que pode parecer inofensivo, mas diz muito (“os imigrantes fazem o trabalho duro, aqui”, diz o filho mais novo da protagonista). A adolescente Elena personifica uma pessoa um tanto quanto exagerada em suas problematizações, mas os roteiristas encontram um equilíbrio louvável dentro da narrativa. Se em determinado episódio nós rimos muito com seus discursos radicais sobre o patriarcado e meio-ambiente, no outro estamos refletindo sobre o machismo dentro do mercado de trabalho e o empoderamento feminino. A série consegue equilibrar muito bem o cômico de uma pessoa que quer lacrar 100% do tempo com personagens que discutem de maneira interessante diversos assuntos sérios, como racismo, política, preconceito, estereótipos e políticas migratórias.
O que mais chama atenção, então, é que One Day at a Time consegue ser ao mesmo tempo engraçada e política, leve e densa, com personagem que importam. Da mesma forma em que brinca com os estereótipos e nós rimos com os personagens, também exalta valores e trabalha com a representatividade de maneira responsável.
O único defeito é a exaltação exagerada aos Estados Unidos em determinadas cenas, mas com personagens tão cativantes e com um domínio da história invejável, a produção entra no hall das poucas sitcoms atuais que de fato fazem rir. E não estranhe se em meio a uma risada aparecer um nó na na garganta e uma lágrima escorrendo.