Na semana passada, descobri um comentário indignado de uma leitora em umas divagações que escrevi sobre a relação entre crianças e filmes de horror no ano passado. No texto, comentei que há certos títulos do gênero que funcionam bem na infância, pois é um período da vida em que jogamos com o medo, testando os limites do que acreditamos. Dei o exemplo da minha filha que estava fascinada por O Estranho Mundo de Jack (1993) aos dois anos de idade, mas se negava a terminar de assistir a ParaNorman (2012) por ser muito assustador.
Talvez seja esse tipo de percepção que leva as pessoas a defenderem que A Forma da Água (2017), vencedor do Oscar de melhor filme este ano, não seja uma obra de horror.
Para a leitora, em um país civilizado, eu só poderia ver minha filha com acompanhamento, pois aparentemente sou um risco para as crianças. Embora eu ache que ela tenha se precipitado ao opinar sobre minha vida, talvez o texto não tenha deixado claro que o horror, como escrevi em outras oportunidades, é um gênero amplo. Está presente em espaços que naturalmente não se resumem ao imaginário do senso comum, que o vê apenas como sanguinolento, gráfico e subversivo (elementos que concordo que é preciso esperar a idade certa para ver).
As animações de Henry Sellick, por exemplo, podem ser facilmente caracterizadas como tramas de horror. As histórias são centradas em personagens estranhos, ameaçadores e repulsivos. O medo é quase uma constante nas obras do diretor, que têm potencial de assustar, apesar de serem feitas para crianças. Jack, o protagonista do longa-metragem de 1993, é um esqueleto que organiza uma festa de sustos para a cidade do Halloween, habitada por vampiros, lobisomens e bruxas.
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Abracadabra (1993) mostra um trio de bruxas que faz rituais satânicos com crianças e, mesmo assim, é classificação indicativa livre. Poltergeist – O Fenômeno (1982), de Tobe Hooper, tem recomendação para maiores de 14 anos mais por causa do baseado fumado pelos pais da jovem Carol Anne (Heather O’Rourke) do que pelas criaturas que assombram a família. Há inúmeras novelas que são bem mais violentas do que qualquer versão de Caça-Fantasmas.
Talvez seja esse tipo de percepção que leva as pessoas a defenderem que A Forma da Água (2017), vencedor do Oscar de melhor filme no último domingo, não seja uma obra de horror, apesar de ser uma história sobre monstros, cujo tema central é o medo. Negar a natureza narrativa de Guilhermo Del Toro é uma maneira de apequenar o gênero. É afirmar que o horrível não pode ser plural, criativo e voltado para os mais diferentes tipos de públicos.