Aniquilação é uma daquelas ficções científicas que exploram muito pouco a questão da tecnologia, pois o seu foco está mesmo nas ciências naturais. Portanto, esqueça um futuro modernoso cheio de neon e chuva e robozinhos com crise existencial, o que interessa aqui está na morfologia das plantas, nas formas como um ecossistema se organiza, se adapta, etc.
A situação é a seguinte: deu merda em algum ponto muito remoto da Terra, uma espécie de desastre ambiental, e um fenômeno ainda desconhecido da humanidade começou a se manifestar, como se uma barreira ou uma cúpula (imagine uma bolha de sabão só que gigante e meio alienígena) de origem ignorada estivesse se expandido aos poucos. O plano genial do exército é mandar seres humanos lá pra dentro para ver o que está rolando.
Várias expedições foram e não voltaram. Os poucos que conseguiram retornar, apresentaram sintomas de câncer e morreram em poucos dias. É neste clima positivo e bastante seguro que quatro cientistas, todas elas mulheres, resolvem compor a décima segunda expedição.
Deu ruim nas outras onze, não é agora que vai dar certo, né?
Uma coisa que chama a atenção já de cara é a prosa bastante apurada de Jeff Vandermeer (num belo trabalho do tradutor, Braulio Tavares), já que não é todo dia que você lê trechos como esse num livro supostamente mais voltado para o entretenimento:
“Tudo o que ouvíamos era aquele gemido. O efeito que ele produzia não pode ser entendido por quem não esteve ali. A beleza de tudo também não, e, quando passamos a ver beleza na desolação, algo muda dentro de nós. A desolação tenta nos colonizar”.
O livro explora o jogo psicológico entre as personagens e a tensão da narrativa está sempre presente nas tentativas de manipulação mútuas.
Essa pegada meio filosófica permeia toda a obra e vai se aprofundando conforme as cientistas avançam na expedição. O autor também é bom em desenvolver uma história que prende o leitor ao torná-lo refém da ausência de informações sobre aquele lugar (nem mesmo os nomes das personagens são revelados, elas são apenas a bióloga, a topógrafa, a psicóloga e a antropóloga) e também por alguns truques narrativos, como antecipar informações de impacto tipo: “Eu lhes diria o nome das outras três, se isso tivesse alguma importância, mas apenas a topógrafa vai durar mais um ou dois dias”
Acompanhamos tudo a partir da perspectiva da bióloga, o que é bem conveniente, já que o objetivo da expedição é justamente explorar o que aconteceu com a vida naquele local. Assim como as outras personagens, ela também tem um passado problemático e está ali porque já não vê grandes motivos para continuar levando a sua vida normal. Isso é importante porque elas são afetadas pelas coisas bizarras que encontram por lá, mas boa parte das mudanças já estava dentro delas, em suas feridas não cicatrizadas.
O livro explora o jogo psicológico entre as personagens (elas sabem que expedições anteriores acabaram porque os integrantes mataram uns aos outros) e a tensão da narrativa está sempre presente nas tentativas de manipulação mútuas, então cada frase dita por uma personagem pode estar carregada de intenções que o leitor desconhece, o que torna tudo muito mais interessante.
O que decepciona no livro e que é muito mais bem resolvido na adaptação cinematográfica dirigida por Alex Garland é a questão do aproveitamento do espaço geográfico. Elas vão para lá justamente para isso, mas no livro tudo fica reduzido a um túnel, que a personagem sempre chama de “torre”, onde aparentemente uma criatura se esconde e ao farol, que no fim das contas é o grande destino. Enquanto no filme, a expedição circula por amplos espaços e se depara com diversas situações bem diferentes, o livro fica concentrado numa repetição um tanto exaustiva da tal torre. Basicamente elas sobem e descem escadas umas trocentas vezes, o que não favorece muito o ritmo do livro.
Por outro lado, algo não explorado na tela e bastante significativo no livro, principalmente do ponto de vista metafórico, é o fato de que as plantas (ou seja lá o que forem) desenvolvem uma forma de se comunicar através da escrita. Já no início do livro, a bióloga se depara com uma parede com algumas frases escritas não com tinta, mas com seres vivos, que se agrupam e começam a formar frases bem estranhas. O próprio ser se torna palavra, uma palavra viva, mas aquilo que ele comunica é aquilo que ele é?
Costumo reclamar muito de livros e filmes de terror quem cagam tudo quando tentam explicar demais a história. Eis que me vi provando do próprio veneno quando li Aniquilação, pois me parece que aqui ocorre o contrário: o autor explica de menos. Sabe quando a gente se sente meio burro quando termina o livro? Talvez a coisa toda tenha sido explicada nos outros livros, que ainda não li, talvez eu é que seja desatento e não tenha entendido tudo, sei lá. Mas o fato é que a busca por respostas é bem frustrante, pelo menos nesse primeiro livro, pois a narrativa chega num ponto de abstração em que fica até difícil visualizar mentalmente o que diabos está acontecendo naquele lugar maldito (e já aviso que tem pouquíssima relação com o que ocorre no final do filme).
Enfim, Aniquilação começa como uma diversão e acaba como um grande desafio. Acho que no fim das contas isso é positivo, certo? Certo?
ANIQUILAÇÃO | Jeff Vandermeer
Editora: Intrínseca;
Tradução: Braulio Tavares;
Tamanho: 200 págs.;
Lançamento: Julho, 2014.