Já falei algumas vezes aqui na coluna sobre a abordagem do newsmaking, os critérios de noticiabilidade e o agendamento dos telejornais brasileiros. Todos os recursos utilizados no fazer jornalístico objetivam atingir o público, seja informando-o ou influenciando-o.
Essa regra se aplica ainda com mais veemência aos telejornais policiais sensacionalistas, sobretudo no âmbito da influência. Os fatos escolhidos para serem noticiados somados à forma que as matérias vão ar e são abordadas pelos âncoras (que atuam mais como juízes do que como mediadores) constroem e transmitem uma realidade violenta e sangrenta capaz de impactar a vida dos cidadãos.
O clima de medo e de paranoia é instaurado diante desses programas. Se me permitem, posso exemplificar o que digo com uma curta história familiar. Minha avó, que vive em uma cidade do interior e é telespectadora fiel desses telejornais, começa a fechar as janelas e as portas de casa durante a exibição dessas matérias policiais sensacionalistas. Nos dias em que, por algum motivo, ela não assiste a esses programas telejornalísticos, tudo fica em paz. Sem desespero para trancar a casa. E assim é em muitos lares brasileiros.
Os fatos escolhidos para serem noticiados somados à forma que as matérias vão ar e são abordadas pelos âncoras constroem e transmitem uma realidade violenta e sangrenta capaz de impactar a vida dos cidadãos.
Geralmente, os apresentadores desse tipo de programa se prendem a uma mesma notícia por um longo tempo, além de retornar ao assunto no(s) dia(s) seguinte(s). E tempo é o que não falta, já que são telejornais que duram horas. O Brasil Urgente, por exemplo, tem 3 horas e 20 minutos de duração e o Cidade Alerta, 3 horas. É uma quantidade suficiente de horas capaz de rotular o país como um reduto da violência e influenciar as conversas e as atitudes cotidianas a partir do medo, insegurança e paranoias que são despertados em cada telespectador.
Além dessas sensações de constante ameaça, outro sentimento despertado no público é o da grande repulsa em relação aos criminosos. É incutida uma ideia equivocada de justiça, de que violência se combate com violência. A agressão verbal, por parte dos âncoras, direcionada aos sujeitos praticantes de algum crime, não só contribui para a revolta dos cidadãos como constrói um pensamento irracional, que não possui um mínimo de embasamento nos direitos humanos.
Todos os traços apelativos desse tipo de programa corroboram para uma construção e espetacularização da realidade. Não quero dizer que os assassinatos, estupros, roubos, entre outros temas selecionados por esses telejornais, não aconteçam, mas que a sua grande recorrência unânime nesses meios e sua abordagem agressiva constroem uma única realidade, sendo essa a de violência por toda a extensão territorial brasileira. A imagem que se tem é de um Brasil única e extremamente violento, no qual os sujeitos errantes merecem uma severa e bárbara punição, enquanto os “cidadãos de bem” devem ficar atentos e temerosos a todo tempo para evitar que o mal aconteça.
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