Mary Stuart (Saoirse Ronan): católica, rainha da Escócia, viúva e depois novamente casada, um pouco liberal para a média comportamental da época. Elizabeth I (Margot Robbie): protestante, rainha da Inglaterra, solteira e constantemente pressionada a casar-se para dar um herdeiro ao trono. Essas são apenas algumas das características que opõem e, em certa medida, aproximam as protagonistas do filme Duas Rainhas (2018), de Josie Rourke, que veio do teatro e estreia na direção no meio cinematográfico.
Opõem e aproximam porque a rede de intrigas entrelaçada pelo roteirista Beau Willimon a partir do livro Queen of Scots: The True Life of Mary Stuart, de John Guy, é delicada e cheia de nuances. Não é para menos. Willimon tem experiência no assunto: esteve envolvido em projetos como o filme Tudo Pelo Poder (2011) e a série House of Cards (2011-2018). A própria História (com “H” maiúsculo) já comprova o quanto as duas monarcas tiveram biografias agitadas, seja pelos detalhes de suas vidas como mulheres, seja pelo constante enfrentamento com seus auxiliares para a manutenção do poder e da governabilidade de seus súditos.
O que surpreende nesta produção, para muito além da suntuosidade de cenários e figurinos (elementos tão típicos de dramas históricos), é “a grossa camada de verniz atual” que roteirista e diretora lançam sobre a História tida como oficial. É a maneira que ambos encontraram de contar a sua história (com “h” minúsculo), já que toda forma de narrativa tem seu viés particular e subjetivo. Além de várias cenas cheias de beleza, enquadramentos bem feitos e os já mencionados ambientes e figurinos, o que tende a sensibilizar o espectador é a relação constante com temas que hoje fomentam discussões públicas.
Em mais de um momento, fica evidente a tensão criada pelo fato de as duas mulheres serem cercadas de conselheiros, homens que desenvolvem (e não fazem muita questão de enfraquecer) uma grande dificuldade em aceitar ser governados por mulheres.
O que surpreende nesta produção, para muito além da suntuosidade de cenários e figurinos (elementos tão típicos de dramas históricos), é ‘a grossa camada de verniz atual’ que roteirista e diretora lançam sobre a História tida como oficial.
Há espaço, também, para expor a aversão à homossexualidade. O tema surge na história em razão de John Guy ter inserido em seu livro que o segundo marido de Mary Stuart, Lord Henry Darnley (no filme interpretado por Jack Lowden), envolveu-se sexualmente com um dos amigos íntimos da própria esposa.
O longa retrata, ainda, a manipulação das consciências por meio do discurso religioso. A inserção de cenas envolvendo o pregador John Knox (David Tennant) escancara o absurdo que é o uso de igrejas para produzir discursos que estimulam infinitamente mais a aversão e o ódio que o amor e a reconciliação. São várias as cenas em que o pastor magoado por ter sido deposto do conselho da rainha Mary Stuart despeja insultos contra ela para um grupo de fiéis atentos à sua mensagem virulenta.
A base histórica, a ambientação e o figurino podem até serem lá dos idos de 1500 (a trama aborda fatos que aconteceram entre 1561 e 1587). Mas é inegável que o roteiro de Beau Willimon tratou de dar uma pincelada bem caprichada de elementos capazes de saltar aos olhos do público atual. E isso tende a causar uma estranheza (quando não um incômodo mesmo) por ver que a humanidade pouco (ou nada) evoluiu em mais de quatrocentos anos.
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