Desde que publicou, em 1951, O apanhador no campo de centeio, Salinger, que está prestes a ser reeditado no Brasil e ter sua obra póstuma lançada nos EUA, reinventou a literatura por meio do romance de formação. De lá para cá, muitos incursaram na quase ingrata tarefa de atualizar esse gênero. Markus Zusak, autor do best-seller A menina que roubava livros, é o mais recente audacioso a se aventurar pelas veredas deixadas por excêntrico autor de Franny e Zoey. O Construtor de Pontes (tradução de Stephanie Fernandes e Thaís Paiva), publicado uma década depois de explodir no mundo todo, coloca Zusak novamente em evidência, tratando outra vez de temas delicados, porém, em um universo mais íntimo e psicológico.
A trama se desenrola na relação de cinco irmãos que, após a morte da mãe e do abandono do pai, precisam cuidar de si mesmos e encontrar uma maneira, ainda que dura, de sobreviver – algo muito parecido ao coming of age dos personagens de O Jardim de Cimento, estreia de Ian McEwan 40 anos atrás. Divididos entre os sonhos, as brincadeiras e a maturidade nascida a fórceps, os irmãos logo se veem sob a necessidade de lidar com a volta do pai, que os convida para construir uma ponte. Todos recusam, menos Clay, que sai da escola para auxiliar o velho na empreitada.
Como nos livros anteriores, Zusak usa uma linguagem poética e metafórica para para apresentar ao leitor as encruzilhadas nas quais enfia os seus personagens. A relação entre Clay e seu pai – chamado de “o assassino” – não se torna mais fácil à medida em que se aproximam. De maneira alegórica e anedótica, O Construtor de Pontes vai se erguendo ao redor de episódios conflituosos e complexos. Para transbordar ainda mais o copo do jovem Clay, os irmãos o enxergam como um traidor, alguém que já não merece mais a confiança deles.
O Construtor de Pontes é sim uma literatura soft, daquelas para ler na praia, mas nem por isso menos comprometida ou irrelevante. É um olhar singelo sobre a natureza humana e as consequências de nossas escolhas.
Não há novidade, é verdade, em retratar as vicissitudes das relações entre pais e filhos na literatura – Turgueniev que o diga –, entretanto, é possível enxergar originalidade na criação quase pictórica de Zusak que, ao contrário do que se espera de um escritor de entretenimento, atinge uma interessante reflexão a respeito do papel familiar na formação do carácter. Ao tentar construir a ponte perfeita, o pai tenta uma aproximação forçada e, claro, necessária para que ele próprio possa se libertar da culpa que sente.
Estética da perda
Em certa medida, Clay é alguém à deriva, agarrado a uma única boia: Carrey, amiga que logo assume o papel de namorada. Ao passo que o relacionamento dos dois se torna mais e mais intenso – e a carreira dela como jockey começa a ascender –, Clay novamente está face a face com a dor e a miséria. A morte acidental da garota, durante uma corrida de cavalos, traz à tona algo que perpassa toda a obra do escritor australiano: a estética da perda.
Seus personagens são sempre jogados à berlinda, empurrados para a beira do abismo, testados até a última consequência. Essa estrutura pode ter dois efeitos: a) a construção da emotividade por meio da elaboração de parábolas; b) uma experiência puramente inspiracional, às raias da autoajuda, como Richard Bach e seu Fernão Capelo Gaivota. O trunfo de Zusak está no oposto, no desmedido senso de realidade, trazendo suas criaturas para o mundo real – da ficção, claro – inúmeras e inúmeras vezes e, em geral, essa realidade se dá ao dar a chance de seus protagonistas encararem a morte.
O Construtor de Pontes é sim uma literatura soft, daquelas para ler na praia, mas nem por isso menos comprometida ou irrelevante. É um olhar singelo sobre a natureza humana e as consequências de nossas escolhas.
O CONSTRUTOR DE PONTES | Mark Zusak
Editora: Intrínseca;
Tradução: Stephanie Fernandes e Thaís Paiva;
Tamanho: 528 págs.;
Lançamento: Fevereiro, 2019.
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