Gloria, a protagonista do denso e delicado romance de estreia de Gabriela Aguerre, O quarto branco, é uma mulher de quarenta anos de idade que acaba de descobrir que não poderá ter filhos. Nos deparamos com esta informação no mesmo período em que ela é demitida de seu emprego e está com o pai, símbolo importante de suas raízes, internado com uma grave doença.
Gloria nasceu no Uruguai e mudou-se para o Brasil com a família durante a ditadura militar do país vizinho. Lá ainda residem lembranças e resquícios do que a protagonista é, ainda que suas memórias sejam mais preenchidas com lacunas do que com conteúdos. O combo de acontecimentos faz com que ela perca suas certezas e precise mergulhar numa jornada íntima de busca de sua identidade, de situar-se na sua própria história, porém não necessariamente de autoconhecimento.
O símbolo dessa sua jornada é a decisão de encarar o fantasma representado pela irmã gêmea, Gaia, falecida ainda muito pequena. Gloria, na verdade, deveria ter se chamado Gaia, mas, com o falecimento da irmã antes que fossem batizadas e registradas, a mãe decidiu trocar os nomes das filhas. Dividida pelas diferentes idiossincrasias que marcam a construção de sua personalidade, fruto de culturas diferentes como a uruguaia e a brasileira, esse ser a si e a outra também é marca indelével em sua alma, um luto o qual nunca teve uma verdadeira oportunidade de viver.
Dividida pelas diferentes idiossincrasias que marcam a construção de sua personalidade, fruto de culturas diferentes como a uruguaia e a brasileira, esse ser a si e a outra também é marca indelével em sua alma, um luto o qual nunca teve uma verdadeira oportunidade de viver.
Gloria parte então para Montevidéu, onde presente e passado se cruzam a todo instante e vão, aos poucos, compondo um cenário delicado em que a protagonista nos fala sobre vida, morte, história, identidade e pertencimento, mostrando o quão complexa é nossa relação conosco e como essa compreensão do “eu” impacta nossa relação com o mundo.
O quarto branco surgiu como trabalho de conclusão do curso de Formação de Escritores que Gabriela Aguerre fez no Instituto Vera Cruz. Aguerre, tal qual sua protagonista, também nasceu no Uruguai, mudou-se para o Brasil ainda pequena e teve uma irmã gêmea que morreu ainda cedo, mas, ainda que parta de acontecimentos reais na vida da autora, a obra publicada pela editora Todavia não é uma autobiografia, como contou à jornalista Nahima Maciel, no Correio Braziliense.
“Sou gêmea, minha irmã gêmea morreu aos 3 meses, é um fator biográfico que investigo com viés criativo. Mas não é uma autobiografia. Tem muito de imaginativo no livro (…) Me deixei atravessar por outras emoções, sentimentos, outras histórias. Sempre pensando o que tenho a dizer e como essa personagem se coloca”, disse.
Contribui também à obra a experiência de Gabriela, jornalista de formação, com relatos de viagens, sua especialidade. Seus cenários são bem construídos e traço fundamental ao acréscimo de melancolia tão intrínseco à terra da autora. Já de Benedetti, cuja epígrafe de O quarto branco é dono, herdou um olhar sensível e cúmplice sobre Montevidéu, um carinho na forma que dedilha suas impressões sobre esse templadismo tão marcante na identidade dos uruguaios.
A narrativa de O quarto branco abre como um soco e termina de maneira um tanto melancólica, porém capaz de oferecer uma espécie de paz sem entregar, necessariamente, respostas. Na busca de sua identidade, Gloria encontra, também, a travessia pelo luto – ou pelos lutos, vários, que volta e meia enfrentamos. Para um livro de estreia, Gabriela Aguerre mostra uma prosa encantadora, capaz de gerar um deleite literário mesmo que nos oferecendo uma história com tons tão tristes.
O QUARTO BRANCO | Gabriela Aguerre
Editora: Todavia;
Tamanho: 120 págs.;
Lançamento: Fevereiro, 2019.
[button color=”red” size=”small” link=”https://amzn.to/2E852p7″ icon=”” target=”true” nofollow=”false”]Compre com desconto[/button]