A história de Chernobyl (ou Chernobil) já foi contada em diversas reportagens jornalísticas, livros e filmes desde quando a tragédia na antiga União Soviética aconteceu, em 1986. Em 2016, quando o desastre nuclear completou 30 anos, a história voltou a ser bastante comentada aqui no Brasil por causa da publicação em português do livro Vozes de Tchernóbil – A História Oral do Desastre Nuclear, de Svetlana Alexiévitch, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura. O acontecimento é uma daquelas histórias que provocam uma sensação de terror e aflição, ao mesmo tempo em que ficamos um tanto quanto impressionados, e portanto interessados, ao perceber como somos pequenos. Essa é a sensação ao assistir à minissérie Chernobyl, produção da HBO em cinco episódios.
A série já começa com uma cena forte: o suicídio de um personagem. Logo depois, voltamos para a noite de abril de 1986. Uma explosão seguida de um incêndio na Usina Nuclear de Chernobyl mata várias pessoas e libera inimagináveis e incontáveis partículas radioativas, mudando completamente a vida das pessoas ao redor e do mundo, tornando-se o maior desastre nuclear da história. Enquanto o mundo todo lamenta o ocorrido, o cientista Valery Legasov (Jared Harris), a física Ulana Khomyuk (Emily Watson) e o vice-presidente do Conselho de Ministros Boris Shcherbina (Stellan Skarsgård) tentam descobrir as causas do acidente.
A minissérie consegue equilibrar muito bem todas as questões técnicas e políticas da trama com temas mais humanos e delicados. É importante entender que quase tudo visto ali é ficção, embora alguns personagens e enredos tenham sido baseados em histórias reais. Mesmo assim, o roteiro, escrito por Craig Mazin (Se Beber, Não Case), consegue fazer o que a gente espera de um série como essa: criar empatia. Desde a primeira cena, Chernobyl nos coloca dentro da cidade, da usina nuclear e daquelas casas, onde tudo soa verdadeiro demais.
É a realidade retratada em cenas claustrofóbicas de silêncio e medo.
Assim como no livro Vozes de Tchernóbil (a série dramatiza alguns depoimentos da obra), a minissérie da HBO mostra como o desastre, ainda que chocante, não fora tratado como uma grande tragédia no começo. Crianças continuavam indo para a escola, cidadãos continuavam a consumir seus alimentos e a vida corria praticamente normal, ao menos nos três primeiros dias. Tudo isso nos faz criar uma ligação muito forte com aqueles personagens, mesmo os que não ganham nem um uma fala sequer dentro da produção. Todo o patriotismo dos bombeiros e de outros homens, que literalmente se sacrificaram para diminuir os impactos do desastre, aparece de forma bastante comovente. O sentimento no público é de impotência.
Para que tudo fique o mais realista possível, Chernobyl não economiza nas imagens fortes. Por mais recheada de cenas até um pouco exageradas, a escolha de uma estética mais suja é uma estratégia inteligente para criar urgência. A cada minuto parece que o próprio telespectador corre o risco de ser contaminado, tamanho o nível de trabalho da produção técnica. As cenas são sempre escuras, fechadas, opressoras, em um excelente trabalho de fotografia, visto que não há nenhuma ameaça visível para materializar o perigo de uma radiação. É a realidade retratada em cenas claustrofóbicas de silêncio e medo.
Mas o mais bonito da minissérie é mostrar um pouco do que foi a vida pós-tragédia. Se nós vemos cidades sendo evacuadas e mulheres perdendo seus maridos da forma mais aterrorizante possível, também vemos outros moradores se recusando a sair, olhando para o desastre com outros olhos. “Depois de tudo o que eu já vi, devo partir agora? Por causa de algo que eu nem consigo ver?”, diz uma senhora em determinada cena. Embora incomode um pouco ver os personagens falando em inglês e não em russo, além de uma certa visão americana demais, são momentos como esses que fazem de Chernobyl uma das produções mais incríveis do ano até agora, e coloca a HBO novamente como uma emissora acima da média de outros canais fechados ou plataformas streaming.
De acordo com uma matéria da revista Superinteressante, uma pessoa contaminada por radiação sente o gosto de metal na boca. Parece que a pele do rosto está cravada de agulhas. A cabeça dói e as crises de vômito são intensas. Com frequência, os sobreviventes precisam lidar com leucemia, câncer de pulmão e de pele, esterilidade e problemas na tireoide.
Nos meses que se seguiram a 26 de abril de 1986, 56 moradores dos arredores da usina de Chernobyl e funcionários do governo soviético experimentaram os sintomas de envenenamento e morreram. A Organização Mundial da Saúde calcula que outras 4 mil morreram depois e 27 mil desenvolveram câncer.
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