Há pouco mais de três anos, escrevi o primeiro artigo sobre a Cadillac Dinossauros. Passado esse tempo, coloco em perspectiva aquele texto sobre a banda e noto a evidente evolução do trio. Fome hoje até me soa coeso e coerente com a trajetória do grupo de Ponta Grossa, ainda que continue o achando imperfeito. Com Disco Riscado, lançado em abril deste ano, a banda confirma seu nome como um dos melhores da atual cena paranaense, algo que já vinha sendo construído desde o interessantíssimo Preto Branco.
A consistência do trabalho da Cadillac Dinossauros impressiona. Em seu DNA, as principais características que marcaram o rock feito na terra das araucárias, em especial a verve irônica como artifício para tecer críticas. Em um gênero tão esfacelado como o rock, a capacidade da banda de Ponta Grossa em compor mensagens que fogem ao senso comum, tão descolado da realidade que acompanhamos nas últimas duas décadas, torna as 12 faixas de Disco Riscado um oásis.
Uma certeza é que a Cadillac Dinossauros não pode ser apontada como condescendente com sua contemporaneidade. Suas letras versam sobre as contradições da sociedade brasileira contemporânea, apresentando suas idiossincrasias de formas irônicas, sendo crítico sem, no entanto, ser panfletário. Disco Riscado tem o espírito do tempo atual, mas não tem medo de olhar para trás. Se representa o Brasil de 2019, não deixa, também, de representar tudo o que compõe este recorte de vida em que estão inseridos seus músicos. Neste sentido, a união entre o lirismo substancial e riffs pesados dão uma identidade muito particular ao grupo, que não se perde em pesar a mão na sonoridade.
Uma certeza é que a Cadillac Dinossauros não pode ser apontada como condescendente com sua contemporaneidade. Suas letras versam sobre as contradições da sociedade brasileira contemporânea, apresentando suas idiossincrasias de formas irônicas, sendo crítico sem, no entanto, ser panfletário.
Se há quem sugira que bons discos de rock só surgem a partir de dores de cotovelo e pés na bunda, um grande mérito de Disco Riscado é que o grupo mostra que tempos sombrios na cultura, nas relações e formas de organização da sociedade também podem servir de matéria-prima para a construção de retratos, de rascunhos de uma sociedade, ao mesmo tempo, sofrida e reflexo de sua própria existência.
Não há como fugir, ao ouvir a obra, desta metáfora em que o trio de Ponta Grossa tenta redigir a respeito do Brasil atual. Entretanto, em momento algum David Barros, Hugo Alex e Billy Joy se colocam sobre um pedestal moral, ou seja, nenhuma das canções existe e resiste sob a égide de uma lição de moral. Justamente o contrário. O trio se insere neste mesmo cenário, criticando a si e ao outro, como em um jogo de espelhos, em que se vê refletido e é reflexo distorcido da essência do que somos. Ou, quem sabe, numa visão mais ampla do sentido procurado em Disco Riscado, uma tentativa de descobrir quem somos nós, hoje, a partir de nossas próprias falhas.
Nem sempre é fácil compreender as nuances que tentam expressar em suas canções, até porque a banda não subestima seu ouvinte. Existem diversas camadas de subtextos em suas composições que, colocadas em perspectiva à sua sonoridade, se amplifica e se ramifica em diferentes caminhos. Chegamos novamente naquele cenário em que uma obra, depois de composta, pode assumir diferentes significações dependendo de quem as ouve (sua bagagem cultural, incluso). Isto faz com que seja necessário, mais uma vez, saudar esta audácia da Cadillac Dinossauros em não subestimar o ouvinte e forçá-lo a procurar a cada nova audição novas camadas de fruição, de interpretação textual e sonora, novas mensagens, novas visões sobre uma mesma realidade.
Até porque, se há uma verdade absoluta, ainda que possa ser questionável, é que não existe uma verdade absoluta. Ou seja, as diferentes interpretações desta obra podem render inúmeras sensações. Se nem esta crítica pode ser fechada (é fruto deste crítico no dia de hoje), muito menos a obra, ainda que reflexo, e retomo o tema abordado anteriormente, de seu tempo, de sua contemporaneidade.
Dentro deste jogo irônico, imaginar um disco riscado como metáfora para os retrocessos que temos assistido acometerem o país evoca também a permanência constante num lamaçal político, ético e social, como se o disco riscado representasse, em alguma medida, a impossibilidade e a incapacidade de nós brasileiros evoluirmos, justamente por incorremos nos tropeços em erros que já deveriam ter sido corrigidos, tal como uma agulha, ora vejam, num disco riscado.