Não foi ruim, mas se perdeu no caminho. Isso resume a trajetória de Big Little Lies em seu segundo, e provavelmente, último ano. Depois de uma excelente primeira temporada, baseada no romance homônimo de Liane Moriarty, o canal HBO e o público queriam mais. A confirmação de uma sequência para uma minissérie que não precisava de um final fechado demais pareceu forçado. Mas tudo bem. Nós só queríamos ver mais daquelas fabulosas atrizes.
Pois muito bem. Trazendo todo mundo de volta, desde as atrizes até quase toda a equipe técnica, o segundo ano de Big Little Lies se mostrou uma novela eficiente, mas com um roteiro frágil, confuso e, por vezes, ingênuo. Afinal, é difícil engolir, e muito fácil de perceber, algumas situações criadas apenas para dar palco para as performances das atrizes.
Neste segundo ano, as mulheres de Monterey precisam enfrentar as consequências de manter o grande segredo sobre o assassinato de Perry (Alexander Skarsgård). Quem mais está abalada com a mentira é Bonnie (Zoë Kravitz), que acabou empurrando Perry da escada após perceber que ele agredia sua esposa, Celeste (Nicole Kidman). Madeleine (Reese Witherspoon) implora para que as mulheres não contem à polícia o que ocorreu e mintam que o homem apenas escorregou. Todas, inclusive Renata (Laura Dern) e Jane (Shailene Woodley) concordam, mas o peso da mentira acaba mudando a vida de todas elas. Para piorar, a mãe de Perry, Mary Louise (Meryl Streep), chega à cidade para aparentemente ajudar Celeste, mas desconfia que a morte do filho não foi um acidente.
O início da temporada é forte e serve para estabelecer todo o conflito que veremos ao longo dos oito episódios. A grande novidade, Meryl Streep, chega para dar um show de agressividade passiva e deixa Celeste e as outras mulheres perturbadas. A atuação de Streep é contida, mas inteligente, já que parece sempre segurar uma reação, um comentário, uma agressividade que vai crescendo até seu ápice. Quando a reação aparece, é sempre bastante violenta, mesmo sem nenhum contato físico. O grito do primeiro episódio e o desespero e falta de ar do último episódio fazem a participação de Streep valer a pena.
É um deleite, mas mancha o legado daquela que foi uma das melhores minisséries de 2017.
Grande parte do roteiro serve para que sejamos levados a uma luta entre sogra e nora a respeito da custódia dos filhos de Celeste. O novelão é tenso e constrói o caminho para chegarmos ao ápice de uma batalha mais épica do que qualquer episódio de Game of Thrones: Nicole Kidman vs. Meryl Streep. O enredo entre as duas não chega a ser original, mas nos presenteia com uma performance histórica que, vale registrar, ocorreu na televisão e não no cinema.
Mas se toda essa história serve para vermos duas atrizes brilhantes em cena, não funciona muito quando analisamos a temporada de maneira mais fria e isolada. A direção, antes dominada por Jean-Marc Vallée, agora é assinada por Andrea Arnold, responsável por todos os episódios. Porém, segundo reportagem da IndieWire, Vallée não teria gostado do rumo que a série tomou e toda a pós-produção foi assumida por ele e pela sua própria equipe de montadores para refazer boa parte do que Arnold teria feito. Tudo isso teria sido ordenado por David E. Kelley, o showrunner.
Essa confusão parece refletir, e muito, no andamento da temporada. Se no primeiro ano os cortes eram elegantes e instigantes, esse ano eles aparecem mais como uma obrigação para manter um estilo do que propriamente algo que enriquece a narrativa. Se na primeira temporada a vida daquelas mulheres era interessante, neste ano a impressão de que acompanhamos a pobre rotina de mulheres ricas e brancas fica mais acentuada, dando uma pequena sensação de futilidade.
Outro problema é a construção do roteiro, que pesa a mão para forçar situações que até o espectador mais desavisado consegue perceber. Todo o enredo em torno da falência de Renata serve única e exclusivamente para Laura Dern dar um show na tela. Não incomoda, porque a atriz faz um trabalho absolutamente fantástico, mas reforça um texto um tanto quanto preguiçoso. Madeleine tem a história mais desinteressante de todas, mas se salva por causa da sua ótima personagem, que acaba sendo a voz da razão em diversas ocasiões, e por causa dos atores de apoio, que criam uma dinâmica deliciosa de assistir.
Jane ainda sofre as consequências de ter sido estuprada por Perry, mas tenta seguir em frente. Não há nada de novo em sua história, mas toda a construção de como uma vítima de estupro sofre ao longo da vida é bastante comovente. Já Bonnie acaba assumindo um papel importante, mas que só serve para empurrar a narrativa para uma crise de consciência entre aquelas personagens. Sua relação com a mãe soa deslocada do resto da série e insere um elemento sobrenatural que não cabe muito dentro da história. Há uma pequena discussão no início sobre como ela era a única mulher negra naquela dinâmica, mas nada disso se desenvolve.
Pequenas armadilhas para complicar a história e criar tensão também incomodam um pouco, especialmente no enredo do tribunal. Chega a ser amador a forma como aquele julgamento vai sendo conduzido, quando testemunhas surgem do nada, o próprio acusado começa a se defender, a advogada de defesa soa displicente e um vídeo de Perry espancando Celeste surge no momento mais delicado da história. É chocante e funciona, mas é irreal.
Entretanto, a temporada acerta ao mostrar a sororidade daquelas mulheres. Todos os homem flutuam ao redor delas e o laço entre as personagens fica ainda mais forte. Fica claro o carinho e entrega de todas as atrizes pela série, o que dá força à história e acaba salvando a temporada, graças ao show de atuação de cada uma delas.
Big Little Lies virou qualquer série sobre donas de casas escondendo um segredo sujo. Abraçou o modelo Desperate Housewives, mas com selo HBO e atrizes de cinema. Particularmente, eu adorei ver a continuação da história, mesmo sendo relativamente fraca. Não incomoda, porque poderíamos ver essas mulheres a vida toda. É um deleite, mas mancha o legado daquela que foi uma das melhores minisséries de 2017.