Chamar de multidão a aglomeração de pessoas que se reúne em frente ao cemitério do Água Verde nessa quinta-feira à tarde talvez seja um exagero. Mas debaixo do calor de trinta e dois graus que as quatro horas da tarde desse dia ostenta, o grupo se agiganta na resignação diante da intempérie. São uns cinquenta ou sessenta debaixo do sol, aguardando para velar um morto. Amanhã, independentemente do tempo que fizer, serão outros tantos. São aquelas pessoas, a representação de uma semana interrompida pela morte.
Outros chegam, estendem o braço para cumprimentar amigos e conhecidos. Uma situação delicada. Gestos necessitam ser calculados, mas o cálculo é desconhecido. Não socializamos tristes, não temos etiqueta clara diante da morte. Sobrancelhas franzidas, uma contração de lábios, tapas leves nas costas: o gestual do luto é contido para não ofuscar a dor de quem precisa demonstrar mais a perda. Famílias e amigos vêm e vão desse lugar, alguns poucos têm a consciência de que será necessário ainda voltar no futuro, em outras situações. A primeira das tias velhas que morre prenuncia os velórios das outras, que se assustam e se entristecem diante do caixão como se fossem elas próprias a estarem sendo veladas.
Não há mais tempo para se arrumar para um velório. Para um enterro talvez. Mas aqui são muitos os com uniforme de trabalho. Colarinhos azuis com suas botas de EPI, suas barras das calças manchadas pelo material de trabalho, seus braços fortes e bronzeados que ali não tem serventia nenhuma.
Não há mais tempo para se arrumar para um velório. Para um enterro talvez. Mas aqui são muitos os com uniforme de trabalho. Colarinhos azuis com suas botas de EPI, suas barras das calças manchadas pelo material de trabalho, seus braços fortes e bronzeados que ali não tem serventia nenhuma. Em um velório, todos são inúteis. Interessa apenas a presença reconfortante, a imposição da própria vida sobre a festa de Hades. A morte planifica as qualidades. Como o próprio morto, ali não tem lugar as habilidades manuais, os doutorados, as grandes viagens feitas, os desafios vencidos, aquilo pelo qual vivemos. Somos todos um pouco mais não-vivos em um velório.
Por lá se quedam. Por quantas horas acharem polido. Para que se conforte a família de maneira paliativa. Todos sabem que não confortam coisa nenhuma. Que a tristeza do luto pode ser compartilhada apenas em parte, mas que eventualmente, a vida de todos voltará ao normal, menos a de quem tinha o morto próximo. Para esses nada nunca mais será a mesma coisa. A ida ao cemitério aqui será traumática, definidora dos dias que se seguirão. A verdadeira dor. Para todo o resto, a perfumaria da melancolia. São esses que acenam, abraçam, fazem a solenidade necessária e se vão quando julgam suas presenças suficientes. Aguentam o calor da tarde, pedem dispensa do trabalho, arrumam um jeito de encaixar a morte na semana. Podem ter o dia de salário descontado, a depender. Mas depois dão um jeito nisso.