Praticamente inexistem diálogos em La Cama (2018). Eles são raríssimos. E quase sussurrados. O que esta produção dirigida pela cineasta argentina Mónica Lairana pretende é deixar transbordar o constrangimento e a tristeza de um casal da terceira idade em processo de separação. Para isso, não vê necessidade de palavras. Apenas de expressões. E da dinâmica de convivência entre os dois cuidadosamente ensaiada em movimentos como um ato sexual que não se consuma, o enquadramento simultâneo dos personagens em ambientes separados, um banho compartilhado a contragosto.
O silêncio, aliás, é um dos maiores elementos capazes de fazer o espectador mergulhar nessa atmosfera de profunda melancolia de um casal prestes a oficializar o fim de uma união que, curta ou não, deixou história. Tanto que o filme já começa com a seguinte frase, atribuída ao escritor francês Romain Rolland: “Cada um de nós carrega no fundo de si um pequeno cemitério daqueles que já amou”. E o silêncio que impera no filme, complementado por uma fotografia que privilegia o cinza e o bege, realmente cria um ambiente sepulcral.
Jorge (Alejo Mango) e Mabel (Sandra Sandrini) estão na fase de decidir quem fica com o que: conversam sobre a divisão de móveis, roupas e até remédios. Estão no momento que antecede a separação definitiva (se é que isso existe para aqueles que viveram uma história juntos). A intenção da diretora de inserir profundamente o espectador no universo delicado dos protagonistas é levada tão a sério que nenhuma outra pessoa aparece nos cerca de 90 minutos da projeção, a não ser Jorge e Mabel. No máximo, o que se vê é um cachorro.
Outro fator que leva o espectador a vivenciar a intimidade dos protagonistas é o fato de ambos estarem quase sempre nus ou seminus. Além dos diálogos praticamente inexistentes, também inexiste pudor dos atores em lançarem-se sem roupa (ou com pouca roupa) diante das lentes de Mónica Lairana.
Ao fim da projeção, fica evidente a transposição em imagens da frase de Romain Rolland. É como se durante todo o tempo a diretora quisesse dar um caráter visual às seguintes palavras: “Cada um de nós carrega no fundo de si um pequeno cemitério daqueles que já amou”. Ela consegue. Mas nem todos, do lado de cá da tela, estarão preparados para assimilar isso.
O resultado desse investimento em silêncio, fotografia fundamentada em cores frias e exploração da nudez de corpos já envelhecidos é de uma tristeza cortante. Tão cortante a ponto de dividir opiniões. La Cama pode ser interpretado como uma bela obra de arte capaz de expor, em seus fotogramas, o caráter cruel do momento em que o amor acaba, das vidas que seguirão rumos distintos após tanta experiência vivenciada de forma conjunta. Mas, também, a película pode ser vista como um poço de melancolia, que cansa e deprime para além da experiência artística, dando a impressão de que todo o roteiro poderia ser resolvido em menos tempo.
Não se trata, claramente, de um filme para todos os paladares, para as massas. Muito provavelmente, apenas o espectador mais habituado a acompanhar produções variadas (o que inclui trabalhos mais alternativos), é que vai sentir alguma atração por ver esta obra. E mesmo a avaliação do espectador mais exigente dependerá do seu estado de espírito no momento em que estiver assistindo.
Ao fim da projeção, fica evidente a transposição em imagens da frase de Romain Rolland. É como se durante todo o tempo a diretora quisesse dar um caráter visual às seguintes palavras: “Cada um de nós carrega no fundo de si um pequeno cemitério daqueles que já amou”. Ela consegue. Mas nem todos, do lado de cá da tela, estarão preparados para assimilar isso.
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