Há uma evidente tendência no cinema mais autoral feito ao redor do mundo, inclusive no Brasil, de borrar as fronteiras entre o documentário e a ficção, quando não derrubá-las sem qualquer cerimônia. O emocionante filme eslovaco Koza, em cartaz a partir de hoje na mostra competitiva do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, é uma experiências das mais interessantes nesse processo de redefinição de gêneros, os desafiando.
Trata-se de uma obra híbrida, na qual não fica claro onde termina a realidade e começa a ficção, sobre o boxeador peso-mosca Peter Balaz, atleta de origem cigana que chegou a competir nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, para, mais velho e combalido pelas muitas lesões sofridas ao longo de sua trajetória errática, entrar em perturbadora decadência.
O filme de Ivan Ostrochovsky foca justamente nesse período, no qual o lutador, mera sombra do que teria sido no passado, sobrevive e mantém sua família participando, sempre acompanhado por um treinador/empresário algo mercenário, de uma série de embates no circuito mais marginal do boxe, perdendo quase todas as lutas em decorrência de sua fragilidade física. E em troca de uns poucos e miseráveis trocados.
O personagem faz lembrar os protagonistas à deriva, alienados socialmente, do cinema neorrealista italiano.
Embora Balaz viva (de forma bastante convincente) o papel de si mesmo (Koza, seu apelido, significa bode em seu idioma), e muitas das situações retratadas pelo longa seja muito próximas da realidade, a narrativa é dramatizada e o boxeador atua em cenas muito bem conduzidas por Ostrochovsky, que, em afinada parceria com o diretor de fotografia Martin Kollar, faz um filme de grande impacto dramático.
Longos planos sem cortes, com a câmera estática, permitem que a trajetória anti-heróica, e algo patética de Balaz, alcancem, sem apelar a recursos melodramáticos, dolorosa potência emocional. O personagem faz lembrar os protagonistas à deriva, alienados socialmente, do cinema neorrealista italiano. Impossível não ser tomado de compaixão ao acompanhar a sua jornada fadada ao fracasso, para que consiga sustentar a mulher, Misa (Stanislava Bongilajova), e a filha, Nikolka (Nikola Bongilajova).
Mas o filme tem momentos engraçados, ainda que tragicômicos, como o período em que Koza é treinado por Jan Franek, boxeador checo aposentado que chegou a ganhar uma medalha de bronze na Olimpíada de Moscou, em 1980, mas hoje sem-teto e alcoolista.
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